"Da vida só têm substância
a casca e o caroço.
No meio só tem amido,
embromações do carbono.
Porém todo o gosto reside
nessa carne intermediária,
sem valor alimentício,
sem realidade, sem nada.
É nela que os dentes encontram
o que os mantém afiados;
com ela é que a língua elabora
a doce palavra."
Pomo - Paulo Henriques Britto
Fonte: Jornal da Poesia
domingo, 5 de outubro de 2008
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
Pequena Biografia
"Não amei ninguém.
Não me senti amado por ninguém.
Reuni alguns resíduos de paixão
o gosto de todas as alegrias
o desencontro de todas as esquinas
e a inutilidade de todas as palavras.
E nada mais."
José Mário Rodrigues
Fonte: Jornal da Poesia
Não me senti amado por ninguém.
Reuni alguns resíduos de paixão
o gosto de todas as alegrias
o desencontro de todas as esquinas
e a inutilidade de todas as palavras.
E nada mais."
José Mário Rodrigues
Fonte: Jornal da Poesia
terça-feira, 23 de setembro de 2008
A idéia de universidade e as idéias das classes médias
Otto Maria Carpeaux
Ensaio do livro A Cinza do Purgatório, incluído nos Ensaios Reunidos de Otto Maria Carpeaux
Jamais esquecerei o dia em que entrei pela primeira vez, com toda a ingenuidade dos meus dezoito anos, no solene recinto da Universidade da minha cidade natal. Um pórtico silencioso. Nas paredes viam-se os bustos dos professores que ali estudaram e ensinaram; no busto de um helenista lia-se a inscrição: "Ele acendeu e transmitiu a flâmula sagrada"; e no busto de um astrônomo: "O princípio que traz o seu nome ilumina-nos os espaços celestes." No meio do pátio, num pequeno jardim, sob o ameno sol de outono, erguia-se uma estátua de mulher nua, com olhos enigmáticos: a deusa da sabedoria. Silêncio. Não esquecerei nunca.
A decepção foi muito grande. Via a biblioteca coberta de poeira, os auditórios barulhentos, estupidez e cinismo em cima e em baixo das cadeiras dos professores, exames fáceis e fraudulentos, brutalidades de bandos que gritavam os imbecis slogans políticos do dia, e que se chamavam "acadêmicos".
A última vez que passei perto deste "templo das Musas", o edifício estava fechado; os estudantes haviam-se juntado a uma imensa manifestação popular. Sabia muito bem o que isso significava para mim: um adeus para sempre. Olhando pelas frestas das portas monumentais - estávamos na primavera - via sob a luz branda do sol os pórticos, as velhas pedras, o jardim, e a deusa nua, tendo nos lábios o sorriso enigmático da morte. E reconheci um fim definitivo.
Por toda parte, as universidades são doentes, senão moribundas, e isto é grande coisa. Os iniciados bem sabem que não é esta uma questão para os pedagogos especializados. Das universidades depende a vida espiritual das nações. O fim das universidades seria um fim definitivo. O abismo entre o progresso material e a cultura espiritual aumenta de dia para dia, e as armas desse progresso nas mãos dos bárbaros é fato que clama aos céus. Os edifícios das universidades resistem ainda, e neles trabalha-se muito, demais, às vezes, mas o edifício do espírito, esta catedral invisível, está ameaçado de cair em ruínas. Em tempos mais felizes a sueca Ellen Key dizia com sutileza: "Cultura é o que nos resta depois de termos esquecido tudo quanto aprendemos." E, deste modo, somos riquíssimos de saber e mendigos de cultura. Hoje em dia Herbert George Wells pode dizer: "We are entered in a race between education and catastrophe." "Entramos numa corrida entre educação e catástrofe." Aí está a questão da Universidade.
Quem é o culpado? Evidentemente, é inadmissível simplificar uma discussão de tal envergadura. Acusa-se o Estado por ter-se intrometido, e acusa-se o Estado por não se intrometer. Acusam-se os professores por mergulharem nos ensinos profissionais e descuidarem-se da ciência desinteressada, e acusam-se os professores por mergulharem na ciência pura sem saberem ensinar. Aqui, queixam-se de as universidades não fornecerem elites, de que a nação tem necessidade; ali, queixam-se de que as universidades fornecem elites demais, um proletariado intelectual. Abundam os remédios propostos. Desejam salvar as universidades pela separação entre as instituições puramente científicas e os institutos de ensino, o que agravaria o problema em vez de o resolver: a ciência seria, assim, afastada da vida, e o ensino entregue à rotina. Falham, igualmente, as tentativas mais bem pensadas de curar a doença infundindo uma nova crença ou uma velha fé: teremos os mesmos estudantes, os mesmos bacharéis, os mesmos doutores que antes, e as suas boas crenças não resolverão a doença da Universidade. Porque não cabe à Universidade formar crentes nem sequer sugerir convicções, mas dar ao estudante capacidade para escolher a sua convicção. Já abundam os homens cegamente convictos, muito "práticos", "úteis" para os serviços do Estado, da Igreja, dos partidos e das empresas comerciais. Pode ser que todas essas instituições lamentem, em breve, a abundância de homens convictos e a falta de homens livres. Então, acusar-se-á amargamente o utilitarismo das universidades modernas. O utilitarismo é o inimigo mortal da Universidade.
Mas o que quer dizer "prático", "útil"? A resposta não é tão simples. Por felicidade os poderosos deste mundo introduziram um novo ponto de vista, ao qual julgo que devemos algumas perspectivas novas.
Para a mentalidade média do nosso tempo a utilidade das ciências é determinada segundo as aplicações práticas: a física e a química, que nos forneceram a luz elétrica e os gases asfixiantes, são as ciências úteis; a história e a filosofia, que não nos fornecem nada, são ciências "inúteis". Apelo desta sentença para a sabedoria de certos homens práticos, que disso entendem muito bem. Certos regimes, ditos totalitários, acharam indispensável regular pela força o estudo das ciências, cujas conseqüências práticas poderiam abalar estes regimes. Ora, que vemos nós, com surpresa? Estes regimes não se ocupam, absolutamente, com as ciências "práticas", a física e a química, que continuam bem tranqüilas. Mas as ciências totalmente inúteis, a história, a filosofia, os estudos literários, são justamente as favoritas dos regimes totalitários, que as abraçam até sufocá-las. É digno de nota.
Mas o que é ainda mais notável é uma certa coincidência. Sabemos que a Universidade, Universitas Litterarum, é uma criação da Idade Média. Ora, os ditos regimes não se ocupam com as ciências naturais, que a Idade Média conhecia pouco, e que se juntaram mais tarde à Universidade. Tratam somente das "velhas" ciências, das Litterae, que na Idade Média já eram conhecidas, e que formam a verdadeira alma da Universidade. Está claro. Foram justamente estas Litterae que formaram os caracteres das nações; e aquele que desejar transformar uma nação deverá transformá-las integralmente. Eles sabem o que é uma universidade.
A história das universidades é a história espiritual das nações. A França medieval é a Sorbonne, cujo enfraquecimento coincide com a fundação renascentista do Collège de France, e cujo prolongamento moderno é a Ecole Normale Supérieure. A Inglaterra, mais conservadora, é sempre Oxford e Cambridge. A Alemanha luterana é Wittemberg e Iena; a Alemanha moderna é Bonn e Berlim. As velhas universidades são de utilidade muito reduzida. Elas não fornecem homens práticos; formam o tipo ideal da nação: o lettré, o gentleman, o Gebildeter. Elas formam os homens que substituem, nos tempos modernos, o clero das universidades medievais. Elas formam os clercs.
As universidades americanas têm a mesma origem. As velhas universidades da América Latina - Lima, México, Bogotá, Córdova - são fundações da Coroa de Espanha; mas foram, desde o início, confiadas aos frades, e já a primeira cédula de fundação, a ordem real do imperador Carlos V, de 21 de setembro de 1551, dá claramente a entender o sentimento da responsabilidade perante o espírito, o espírito desinteressado da Universidade medieval: "Para servir a Deus, Nosso Senhor, e ao bem público de nossos reinos, convém que nossos vassalos, súditos e naturais tenham Universidades e Estudos Gerais em que sejam instruídos e titulados em todas as ciências e faculdades, e pelo muito amor e vontade que temos de honrar e favorecer aos de Nossas Índias, e desterrar deles as trevas da ignorância, criamos, fundamos e constituímos na cidade de Lima dos reinos do Peru, e na cidade de México da Nova Espanha, Universidades e Estudos Gerais." Nada mais eloqüente, admirável, do que semelhantes termos haverem sido empregados quando os puritanos fundaram, em 1636, a primeira universidade da América inglesa, a de Harvard: "After God had carried us safe to New England, and we builded our houses and settled the Civil Government; one of the next things we looked after was to advance Learning and perpetuate it to Posterity, dreading to leave an illiterate Ministery to the Churches, when our present Ministers shall lie in the dust." (New England’s First Fruits, 1643.) ("Depois que Deus nos tinha seguramente conduzido a Nova-Inglaterra, e que construímos as nossas casas e estabelecemos um governo civil, uma das nossas primeiras ocupações foi estimular o ensino e perpertuá-lo para a posteridade, com receio de deixar às igrejas um clero iletrado quando os nossos clérigos atuais jazerem em pó."
O que resta destas Universitates Litterarum? O nome. Já não formam lettrés, nem gentlemen, nem Gebildeter; formam médicos, advogados, professores. As universidades tornaram-se lugares de investigações científicas; e é um romantismo utilitário que vem muni-las das asas do progresso. Não há mais "clercs", só há estudantes.
Quem é o culpado? Ainda uma vez apelo para aqueles que disso entendem. Por toda parte onde há aqueles regimes os estudantes estão nas vanguardas da violência. Não é um acaso. Ouso responder: os estudantes são os culpados.
Há duas espécies de estudantes: chamá-las-emos os "ricos" e os "pobres", sublinhando que há pobres entre os "ricos" e ricos entre os "pobres"; são apenas duas expressões cômodas para abraçar uma generalização inevitável. Os estudantes "pobres" são aqueles que estudam "para a manteiga e para o pão"; estudam para se assegurarem um melhor sucesso na luta pela vida. Seria cruel e estúpido censurá-los. Antes, devemos admirá-los, em virtude dos sacrifícios, muitas vezes imensos, feitos por eles e seus pais para melhorar um futuro incerto e tornar a existência mais digna. Todavia, importa não se dissimularem os graves inconvenientes. Estudantes "pobres", há muitos deles: vivem embaraçados pela miséria, pelas ocupações acessórias para ganhar a vida; sobretudo têm pressa de terminar os estudos. Junte-se a isto a benevolência, plenamente justificável, que os examinadores lhes devem como recompensa dos seus esforços. Em suma, o nível baixa sensivelmente. O nível baixa, dizemos, até o nível dos estudantes "ricos". São estes os que têm necessidade de um grau acadêmico, porque o pai tem um, porque isto dá certa consideração na sociedade ou para adornar fortuna um pouco recente. Entre os estudantes "ricos" existem os pobres que desejam manter penosamente o standard de uma família em decadência, o que é, aliás, muito louvável. Existem outros verdadeiramente ricos, que não têm necessidade de estudar, mas que através dos estudos testemunham grande respeito às ciências; e estas, por sua vez, precisam deles, para subsistir materialmente. Em todo caso, os seus estudos não são de necessidade absoluta; eles não estudam mais do que o necessário, o indispensável para passar nos exames; os esforços ulteriores parecem-lhes ridículos. E são eles que, pela sua situação social, determinam o nível geral. E esse nível é a morte da Universidade.
Queixam-se de que as universidades já não fornecem elites. Sim, mas em compensação fornecem verdadeiras massas, porque as ciências modernas e suas investigações têm menos necessidade de cérebros que de batalhões de estudantes; e para isto eles satisfazem. A inteligência que é precisa para estudar uma profissão, mesmo acadêmica, não é tão grande como os leigos imaginam. Há vários séculos um sábio inglês, o cônego dr. Copleston, fellow do Ariel College, em Oxford, predizia: "Ainda que a ciência seja favorecida por essas concentrações de inteligência a seu serviço, os homens que se encerram nas especializações têm a inteligência em regresso." (Citado pelo cardeal Newman, The idea of a university, p. 72). É o regredir de uma elite à condição de massa ornada de títulos acadêmicos.
É preciso que se digam, aqui, algumas verdades muito impopulares e muito desagradáveis. Existe Inteligência e existem "intelectuais". Intelectuais são os médicos, os advogados, os funcionários superiores de toda espécie, os especialistas científicos de toda sorte. Mas deve-se dizer que somente uma parte desses "intelectuais" pertence à Inteligência, que é, por seu lado, o resto dos "clercs", da elite de outrora. Sejamos sinceros: podemos ser bom médico, bom advogado, bom professor, e ter o espírito preso aos limites da profissão; e sabemos que o grau acadêmico nem sequer é sempre a garantia de boas qualidades profissionais. Mas ele confere sempre uma autoridade social. José Ortega y Gasset caracterizou essa nova espécie de intelectuais, violentamente, mas sinceramente: "Nuevo bárbaro, retrasado com respecto a su época, arcaico y primitivo en comparación con la terrible actualidad de sus problemas. Este nuevo bárbaro es principalmente el profesional más sabio que nunca, pero más inculto también - el ingeniero, el médico, el abogado, el científico." (Misión de la Universidad, Obras, p. 1289).
O fato central da nossa época é a violência generalizada a todos os setores da vida pública, a violência que pretende substituir o espírito no seu papel guiador das massas. Dessas massas que os pensadores políticos muitas vezes confundem com o proletariado econômico. Sim, mas o espírito proletário, o espírito da reação violenta contra certas condições econômicas e sociais, não está exclusivamente ligado às massas obreiras; participam dele todas as "massas", como fenômenos sociológicos, e a massa dos intelectuais também. É o fato central da nossa época: as classes médias, mesmo antes de serem proletarizadas, mesmo justamente para evitar a ameaça da proletarização, transformam-se em massas proletárias. E esta proletarização interior é um fenômeno da educação. Chama-se "classes médias" o problema central da nossa época. O livro mais bem documentado que conheço sobre o fascismo, Fascisme et grand capital, de Daniel Guérin, apresenta a tese de que o fascismo é a última expressão do grande capitalismo. Tese errônea. Provando irrefutavelmente que o grande capital se serviu do fascismo para bater o movimento trabalhista, Guérin esquece-se de concluir que o instrumento se mostrou, enfim, mais forte do que o mestre, e que os operários e os capitalistas perderam, juntos, a liberdade de movimento, pela ação deste inimigo de ambos - as classes médias. Fato fundamental do nosso tempo: o fascismo propaga-se e vence através das classes médias, das quais é a expressão triunfal.
O fascismo foi impossível na Rússia. É também um fato fundamental que a Rússia não conheceu, não teve uma classe média. Ora, seguindo a corrente da época, o bolchevismo criou uma classe média. A burocracia soviética, os stakhanovistas e outras camadas privilegiadas do operariado, não são outra coisa senão uma nova classe média. Considerando, nos outros países, a ascensão de camadas igualmente novas, que o século XIX ainda não conhecia, verdadeiros exércitos de empregados privados, de funcionários públicos, de pequenos empresários, todos formados num regime de ensino secundário ou superior muito facilitado, essas massas de homens, todos mais ou menos educados, essas multidões de "pequenos intelectuais"; considerando essas multidões de homens novos, nem capitalistas nem trabalhistas, que Karl Marx não podia prever, deve-se precisar o pensamento: o fascismo e o bolchevismo têm o lado comum de serem expressões das novas classes médias. E a ideologia que permite explicar o espírito das novas classes médias é a ideologia pequeno-burguesa, violentamente revolucionária e anti-intelectualista.
Explica-se, por isso, que Georges Sorel, o pai espiritual comum do fascismo e do bolchevismo, Georges Sorel, o ideólogo da violência, seja um homem profundamente pequeno-burguês, representante típico das classes médias francesas, preocupado com a decadência das "autoridades sociais", que ele concebeu fielmente no espírito conservador de Le Play; preocupado, enfim, com a decadência vital da raça latina, pela qual ele responsabiliza violentamente a Inteligência; ao espírito ele prefere a vitalização pelos instintos bárbaros da massa.
Fica-se a admirar que Sorel fale em decadência, na França dos Taine e Bergson, dos Flaubert e Proust, dos Mallarmé e Claudel, dos Degas e Cézanne, dos Rodin e Debussy, dos Pasteur e Henri Poincaré, numa das épocas mais magníficas do espírito francês. Mas é por isso mesmo. Sorel é violentamente anti-intelectualista. Vê no espírito e suas obras o grande obstáculo da volta ao primitivo. Neste ponto, Sorel parece sobretudo "moderno", contemporâneo de nós outros. É a hostilidade ao espírito que liga Sorel diretamente às novas classes médias.
No pensador revolucionário Sorel não se viu o conservador, o representante das classes médias. O mal-entendido correspondente não viu nas novas classes médias as possibilidades revolucionárias. Durante um século, o século XIX, esqueceu-se que a classe média fizera a Grande Revolução. Via-se na classe média a classe essencialmente conservadora, a portadora mesma das tradições humanísticas, e ela o era enquanto os princípios consolidados da Revolução Francesa abrigavam a classe média contra as ameaças do grande capitalismo e do movimento socialista. Isto, porém, acabou. Chegou o dia de uma nova classe média, pronta a vencer por uma nova revolução violenta ou, como na Rússia, triunfar contra um regime obsoleto. Foi Sorel quem emprestou às novas classes médias a ideologia revolucionária.
Poder-se-ia acreditar que os grandes obstáculos dessa revolução fossem os capitalistas e os trabalhadores, ou, na Rússia, um regime milenário e eclesiasticamente consolidado. Engano. Vimos a fraqueza incrível do regime tzarista, a derrota fácil dos socialistas, o suicídio dos capitalistas. O verdadeiro obstáculo - e Sorel o previra bem - era a Inteligência. É ela que merece as diatribes mais cruéis dos chefes e dos caudilhos. Para a vitória final, precisa-se acabar com a Inteligência.
Como? Não é a classe média o principal agente dos movimentos espirituais? Sim, é, ou, melhor, foi. O século XIX, o século liberal, abre a todos todas as possibilidades. A educação superior é o caminho da ascensão. A preeminência da classe média no século XIX baseia-se na sua cultura universitária. Mas o século XX acaba com isso. O grande capitalismo precisa mais de exércitos de pequenos empregados do que de self-made men; as profissões liberais estão superlotadas; o movimento socialista repele os que resistem à proletarização e suas humilhações e privações. Privada dos privilégios da Inteligência, a classe média quebra furiosamente o instrumento, como uma criança quebra o brinquedo insubmisso. É uma criança, essa nova classe média; mas uma criança perigosa, cheia dos ressentimentos dos déclassés, furiosa contra os livros que já não sabe ler e cujas lições já não garantem a ascensão social. Está madura para a violência.
A violência é o fenômeno "espiritual" central das novas classes médias e da nossa época; significa a determinação de empregar todas as armas, todas as que o esforço do espírito criou, para conseguir um fim material: a salvação social da classe. Não se admitem outros fins. Ridiculizam ou anatematizam todos os esforços independentes, desinteressados, do espírito. Admiram a especialização útil do "intelectual de profissão", e banem o humanismo do "professor". A violência anti-intelectualista das novas classes médias é, afinal, uma falta de educação, ou, antes, o fruto de uma falsa educação. Fruto da falsa idéia que as classes médias formavam da Universidade: da nova Universidade, que fornece exércitos de médicos, advogados e técnicos, em vez de "clercs", de uma elite.
O problema capital do nosso tempo, o problema da elite, é, no fim das contas, um problema de pedagogia humanística. Existe mesmo, hoje, política que consiste na exterminação das elites pelas armas dos especialistas. E foi bem preparada: da diminuição das lições latinas, existe apenas um passo para a destruição dos livros e dos museus.
O resultado mais freqüente da moderna educação universitária é um decidido adeus aos livros. Mais tarde, combaterão as "línguas mortas" na escola. Enfim, declararão inútil todo o ensino secundário, com as suas idéias vagas e inúteis duma "cultura geral"; talvez toquem, com isso, no ponto nevrálgico da discussão. Todo o problema espiritual dos nossos dias é, pois, um problema de falta de educação humanística, um problema pedagógico; e todo o problema pedagógico dos nossos dias é um problema da escola específica das classes médias, da escola secundária.
Segundo o regime escolar vigente em todos os países, sem exceção, a Universidade dedica-se ao ensino profissional superior, enquanto a "cultura geral" fica reservada ao ensino secundário, aos ginásios e aos liceus. Quer dizer: o ensino da cultura geral limita-se aos jovens de dez a dezoito anos. Depois, a "cultura" termina, e a medicina e a jurisprudência começam, sem nenhuma "cultura geral". Os conhecimentos do ensino secundário empalidecem, naturalmente, com o tempo; mas ainda há coisa pior: todo esse ensino de "cultura geral" é feito ao alcance de jovens de dez a dezoito anos: a história, a filosofia, a literatura, amoldadas ad usum Delphini, e forçosamente puerilizadas. E aí fica. Nunca mais o jovem médico ou engenheiro ouve falar em história, filosofia, literatura, exceto pela imprensa ou pelo rádio, que se colocam ao alcance do espírito das grandes massas, pueris por natureza. Resultado: um espírito artificialmente preservado no estado pueril com uma formação profissional superposta. Conheço bem as numerosas exceções que felizmente existem. Mas, em geral, estas massas graduadas se distinguem dos iletrados somente por uma autoridade profissional que as torna menos úteis que perigosas. Ainda uma vez cito Ortega y Gasset: "La peculiarísima brutalidad y la agresiva estupidez con que se comporta un hombre, cuando sabe mucho de una cosa y ignora de raiz todas las demás" (O. c., p. 1291). Eles, porém, os iletrados, têm sempre razão, porque são muitos e ocupam um lugar de elite, esse "proletariado intelectual", sem dinheiro ou com ele, isso não importa. Julgam tudo, e tudo deles depende. Lêem os livros e decidem sobre os sucessos de livraria, criticam os quadros e as exposições, aplaudem e vaiam no teatro e nos concertos, dirigem as correntes das idéias políticas, e tudo isto com a autoridade que o grau acadêmico lhes confere. Em suma, desempenham o papel de elite. São osnouveaux maîtres, os señoritos arrogantes, graduados e violentos; e nós sofremos as conseqüências, amargamente, cruelmente.
"We are entered in a race between education and catastrophe." Wells tem muita razão. Mas é de grande importância datar a desgraça. Esta catástrofe irrompeu sob o signo do progresso, e o progresso ilimitado, muito do gosto de um Wells, cavará mais profundamente o abismo. O verdadeiro caminho é a volta.
Temos mais uma vez "a disputa do medievalismo". Uma coisa fica, porém: a Universidade é uma criação da Idade Média. Todas as universidades medievais são, por princípio, instituições "clericais": elas formam os "clercs". O restabelecimento das universidades "clericais" é uma restauração de tradições.
Quatro ou cinco faculdades reunidas não constituem ainda uma universidade. Elas não criam esta "convivence of sciences, which forms a philosophical habit of mind", de que fala o cardeal Newman. Não se trata destas ciências ou daquelas profissões. Trata-se do espírito comum que as anima, do espírito filosófico, anti-utilitário, desinteressado, que as nossas universidades perderam, e que é a própria Idéia de Universidade. Derrubemos, pois, este estado de coisas. É ao ensino secundário que cabe o preparo do ensino profissional, dispensado nos hospitais e na magistratura. Em conclusão, é à Universidade que incumbe a formação do espírito da "clericatura".
Voltemos aos estudantes: o seu utilitarismo, mais perigoso que o das ciências, perdurará enquanto a freqüência das universidades for a chave para as posições de mando na sociedade. Verdadeiramente, o oposto deste utilitarismo é o desinteresse, no qual Newman via o espírito e a idéia de universidade, o espírito do clero universitário medieval que se sentia independente do mundo e somente responsável perante Deus. Sem tais padres o altar fica vazio e o culto abandonado. Poderia chegar o dia em que ninguém compreenderia mais as fórmulas nem os poemas, em que os quadros de Rembrandt seriam pedaços de tela e as partituras de Beethoven farrapos de papel; dia da barbaria, em que a história humana se transformaria, pela sucessão de desgraças, num formigueiro mal organizado. E este dia talvez já esteja mais próximo do que realmente pensamos. "Somos a última reserva, fiquemos conscientes disto." dizia Hugo Ball. Fiquemos conscientes, "dreading to leave an illiterate Ministery to the Churches, when our present Ministers shall lie in the dust".
Fonte: Icones.com.br
Ensaio do livro A Cinza do Purgatório, incluído nos Ensaios Reunidos de Otto Maria Carpeaux
Jamais esquecerei o dia em que entrei pela primeira vez, com toda a ingenuidade dos meus dezoito anos, no solene recinto da Universidade da minha cidade natal. Um pórtico silencioso. Nas paredes viam-se os bustos dos professores que ali estudaram e ensinaram; no busto de um helenista lia-se a inscrição: "Ele acendeu e transmitiu a flâmula sagrada"; e no busto de um astrônomo: "O princípio que traz o seu nome ilumina-nos os espaços celestes." No meio do pátio, num pequeno jardim, sob o ameno sol de outono, erguia-se uma estátua de mulher nua, com olhos enigmáticos: a deusa da sabedoria. Silêncio. Não esquecerei nunca.
A decepção foi muito grande. Via a biblioteca coberta de poeira, os auditórios barulhentos, estupidez e cinismo em cima e em baixo das cadeiras dos professores, exames fáceis e fraudulentos, brutalidades de bandos que gritavam os imbecis slogans políticos do dia, e que se chamavam "acadêmicos".
A última vez que passei perto deste "templo das Musas", o edifício estava fechado; os estudantes haviam-se juntado a uma imensa manifestação popular. Sabia muito bem o que isso significava para mim: um adeus para sempre. Olhando pelas frestas das portas monumentais - estávamos na primavera - via sob a luz branda do sol os pórticos, as velhas pedras, o jardim, e a deusa nua, tendo nos lábios o sorriso enigmático da morte. E reconheci um fim definitivo.
Por toda parte, as universidades são doentes, senão moribundas, e isto é grande coisa. Os iniciados bem sabem que não é esta uma questão para os pedagogos especializados. Das universidades depende a vida espiritual das nações. O fim das universidades seria um fim definitivo. O abismo entre o progresso material e a cultura espiritual aumenta de dia para dia, e as armas desse progresso nas mãos dos bárbaros é fato que clama aos céus. Os edifícios das universidades resistem ainda, e neles trabalha-se muito, demais, às vezes, mas o edifício do espírito, esta catedral invisível, está ameaçado de cair em ruínas. Em tempos mais felizes a sueca Ellen Key dizia com sutileza: "Cultura é o que nos resta depois de termos esquecido tudo quanto aprendemos." E, deste modo, somos riquíssimos de saber e mendigos de cultura. Hoje em dia Herbert George Wells pode dizer: "We are entered in a race between education and catastrophe." "Entramos numa corrida entre educação e catástrofe." Aí está a questão da Universidade.
Quem é o culpado? Evidentemente, é inadmissível simplificar uma discussão de tal envergadura. Acusa-se o Estado por ter-se intrometido, e acusa-se o Estado por não se intrometer. Acusam-se os professores por mergulharem nos ensinos profissionais e descuidarem-se da ciência desinteressada, e acusam-se os professores por mergulharem na ciência pura sem saberem ensinar. Aqui, queixam-se de as universidades não fornecerem elites, de que a nação tem necessidade; ali, queixam-se de que as universidades fornecem elites demais, um proletariado intelectual. Abundam os remédios propostos. Desejam salvar as universidades pela separação entre as instituições puramente científicas e os institutos de ensino, o que agravaria o problema em vez de o resolver: a ciência seria, assim, afastada da vida, e o ensino entregue à rotina. Falham, igualmente, as tentativas mais bem pensadas de curar a doença infundindo uma nova crença ou uma velha fé: teremos os mesmos estudantes, os mesmos bacharéis, os mesmos doutores que antes, e as suas boas crenças não resolverão a doença da Universidade. Porque não cabe à Universidade formar crentes nem sequer sugerir convicções, mas dar ao estudante capacidade para escolher a sua convicção. Já abundam os homens cegamente convictos, muito "práticos", "úteis" para os serviços do Estado, da Igreja, dos partidos e das empresas comerciais. Pode ser que todas essas instituições lamentem, em breve, a abundância de homens convictos e a falta de homens livres. Então, acusar-se-á amargamente o utilitarismo das universidades modernas. O utilitarismo é o inimigo mortal da Universidade.
Mas o que quer dizer "prático", "útil"? A resposta não é tão simples. Por felicidade os poderosos deste mundo introduziram um novo ponto de vista, ao qual julgo que devemos algumas perspectivas novas.
Para a mentalidade média do nosso tempo a utilidade das ciências é determinada segundo as aplicações práticas: a física e a química, que nos forneceram a luz elétrica e os gases asfixiantes, são as ciências úteis; a história e a filosofia, que não nos fornecem nada, são ciências "inúteis". Apelo desta sentença para a sabedoria de certos homens práticos, que disso entendem muito bem. Certos regimes, ditos totalitários, acharam indispensável regular pela força o estudo das ciências, cujas conseqüências práticas poderiam abalar estes regimes. Ora, que vemos nós, com surpresa? Estes regimes não se ocupam, absolutamente, com as ciências "práticas", a física e a química, que continuam bem tranqüilas. Mas as ciências totalmente inúteis, a história, a filosofia, os estudos literários, são justamente as favoritas dos regimes totalitários, que as abraçam até sufocá-las. É digno de nota.
Mas o que é ainda mais notável é uma certa coincidência. Sabemos que a Universidade, Universitas Litterarum, é uma criação da Idade Média. Ora, os ditos regimes não se ocupam com as ciências naturais, que a Idade Média conhecia pouco, e que se juntaram mais tarde à Universidade. Tratam somente das "velhas" ciências, das Litterae, que na Idade Média já eram conhecidas, e que formam a verdadeira alma da Universidade. Está claro. Foram justamente estas Litterae que formaram os caracteres das nações; e aquele que desejar transformar uma nação deverá transformá-las integralmente. Eles sabem o que é uma universidade.
A história das universidades é a história espiritual das nações. A França medieval é a Sorbonne, cujo enfraquecimento coincide com a fundação renascentista do Collège de France, e cujo prolongamento moderno é a Ecole Normale Supérieure. A Inglaterra, mais conservadora, é sempre Oxford e Cambridge. A Alemanha luterana é Wittemberg e Iena; a Alemanha moderna é Bonn e Berlim. As velhas universidades são de utilidade muito reduzida. Elas não fornecem homens práticos; formam o tipo ideal da nação: o lettré, o gentleman, o Gebildeter. Elas formam os homens que substituem, nos tempos modernos, o clero das universidades medievais. Elas formam os clercs.
As universidades americanas têm a mesma origem. As velhas universidades da América Latina - Lima, México, Bogotá, Córdova - são fundações da Coroa de Espanha; mas foram, desde o início, confiadas aos frades, e já a primeira cédula de fundação, a ordem real do imperador Carlos V, de 21 de setembro de 1551, dá claramente a entender o sentimento da responsabilidade perante o espírito, o espírito desinteressado da Universidade medieval: "Para servir a Deus, Nosso Senhor, e ao bem público de nossos reinos, convém que nossos vassalos, súditos e naturais tenham Universidades e Estudos Gerais em que sejam instruídos e titulados em todas as ciências e faculdades, e pelo muito amor e vontade que temos de honrar e favorecer aos de Nossas Índias, e desterrar deles as trevas da ignorância, criamos, fundamos e constituímos na cidade de Lima dos reinos do Peru, e na cidade de México da Nova Espanha, Universidades e Estudos Gerais." Nada mais eloqüente, admirável, do que semelhantes termos haverem sido empregados quando os puritanos fundaram, em 1636, a primeira universidade da América inglesa, a de Harvard: "After God had carried us safe to New England, and we builded our houses and settled the Civil Government; one of the next things we looked after was to advance Learning and perpetuate it to Posterity, dreading to leave an illiterate Ministery to the Churches, when our present Ministers shall lie in the dust." (New England’s First Fruits, 1643.) ("Depois que Deus nos tinha seguramente conduzido a Nova-Inglaterra, e que construímos as nossas casas e estabelecemos um governo civil, uma das nossas primeiras ocupações foi estimular o ensino e perpertuá-lo para a posteridade, com receio de deixar às igrejas um clero iletrado quando os nossos clérigos atuais jazerem em pó."
O que resta destas Universitates Litterarum? O nome. Já não formam lettrés, nem gentlemen, nem Gebildeter; formam médicos, advogados, professores. As universidades tornaram-se lugares de investigações científicas; e é um romantismo utilitário que vem muni-las das asas do progresso. Não há mais "clercs", só há estudantes.
Quem é o culpado? Ainda uma vez apelo para aqueles que disso entendem. Por toda parte onde há aqueles regimes os estudantes estão nas vanguardas da violência. Não é um acaso. Ouso responder: os estudantes são os culpados.
Há duas espécies de estudantes: chamá-las-emos os "ricos" e os "pobres", sublinhando que há pobres entre os "ricos" e ricos entre os "pobres"; são apenas duas expressões cômodas para abraçar uma generalização inevitável. Os estudantes "pobres" são aqueles que estudam "para a manteiga e para o pão"; estudam para se assegurarem um melhor sucesso na luta pela vida. Seria cruel e estúpido censurá-los. Antes, devemos admirá-los, em virtude dos sacrifícios, muitas vezes imensos, feitos por eles e seus pais para melhorar um futuro incerto e tornar a existência mais digna. Todavia, importa não se dissimularem os graves inconvenientes. Estudantes "pobres", há muitos deles: vivem embaraçados pela miséria, pelas ocupações acessórias para ganhar a vida; sobretudo têm pressa de terminar os estudos. Junte-se a isto a benevolência, plenamente justificável, que os examinadores lhes devem como recompensa dos seus esforços. Em suma, o nível baixa sensivelmente. O nível baixa, dizemos, até o nível dos estudantes "ricos". São estes os que têm necessidade de um grau acadêmico, porque o pai tem um, porque isto dá certa consideração na sociedade ou para adornar fortuna um pouco recente. Entre os estudantes "ricos" existem os pobres que desejam manter penosamente o standard de uma família em decadência, o que é, aliás, muito louvável. Existem outros verdadeiramente ricos, que não têm necessidade de estudar, mas que através dos estudos testemunham grande respeito às ciências; e estas, por sua vez, precisam deles, para subsistir materialmente. Em todo caso, os seus estudos não são de necessidade absoluta; eles não estudam mais do que o necessário, o indispensável para passar nos exames; os esforços ulteriores parecem-lhes ridículos. E são eles que, pela sua situação social, determinam o nível geral. E esse nível é a morte da Universidade.
Queixam-se de que as universidades já não fornecem elites. Sim, mas em compensação fornecem verdadeiras massas, porque as ciências modernas e suas investigações têm menos necessidade de cérebros que de batalhões de estudantes; e para isto eles satisfazem. A inteligência que é precisa para estudar uma profissão, mesmo acadêmica, não é tão grande como os leigos imaginam. Há vários séculos um sábio inglês, o cônego dr. Copleston, fellow do Ariel College, em Oxford, predizia: "Ainda que a ciência seja favorecida por essas concentrações de inteligência a seu serviço, os homens que se encerram nas especializações têm a inteligência em regresso." (Citado pelo cardeal Newman, The idea of a university, p. 72). É o regredir de uma elite à condição de massa ornada de títulos acadêmicos.
É preciso que se digam, aqui, algumas verdades muito impopulares e muito desagradáveis. Existe Inteligência e existem "intelectuais". Intelectuais são os médicos, os advogados, os funcionários superiores de toda espécie, os especialistas científicos de toda sorte. Mas deve-se dizer que somente uma parte desses "intelectuais" pertence à Inteligência, que é, por seu lado, o resto dos "clercs", da elite de outrora. Sejamos sinceros: podemos ser bom médico, bom advogado, bom professor, e ter o espírito preso aos limites da profissão; e sabemos que o grau acadêmico nem sequer é sempre a garantia de boas qualidades profissionais. Mas ele confere sempre uma autoridade social. José Ortega y Gasset caracterizou essa nova espécie de intelectuais, violentamente, mas sinceramente: "Nuevo bárbaro, retrasado com respecto a su época, arcaico y primitivo en comparación con la terrible actualidad de sus problemas. Este nuevo bárbaro es principalmente el profesional más sabio que nunca, pero más inculto también - el ingeniero, el médico, el abogado, el científico." (Misión de la Universidad, Obras, p. 1289).
O fato central da nossa época é a violência generalizada a todos os setores da vida pública, a violência que pretende substituir o espírito no seu papel guiador das massas. Dessas massas que os pensadores políticos muitas vezes confundem com o proletariado econômico. Sim, mas o espírito proletário, o espírito da reação violenta contra certas condições econômicas e sociais, não está exclusivamente ligado às massas obreiras; participam dele todas as "massas", como fenômenos sociológicos, e a massa dos intelectuais também. É o fato central da nossa época: as classes médias, mesmo antes de serem proletarizadas, mesmo justamente para evitar a ameaça da proletarização, transformam-se em massas proletárias. E esta proletarização interior é um fenômeno da educação. Chama-se "classes médias" o problema central da nossa época. O livro mais bem documentado que conheço sobre o fascismo, Fascisme et grand capital, de Daniel Guérin, apresenta a tese de que o fascismo é a última expressão do grande capitalismo. Tese errônea. Provando irrefutavelmente que o grande capital se serviu do fascismo para bater o movimento trabalhista, Guérin esquece-se de concluir que o instrumento se mostrou, enfim, mais forte do que o mestre, e que os operários e os capitalistas perderam, juntos, a liberdade de movimento, pela ação deste inimigo de ambos - as classes médias. Fato fundamental do nosso tempo: o fascismo propaga-se e vence através das classes médias, das quais é a expressão triunfal.
O fascismo foi impossível na Rússia. É também um fato fundamental que a Rússia não conheceu, não teve uma classe média. Ora, seguindo a corrente da época, o bolchevismo criou uma classe média. A burocracia soviética, os stakhanovistas e outras camadas privilegiadas do operariado, não são outra coisa senão uma nova classe média. Considerando, nos outros países, a ascensão de camadas igualmente novas, que o século XIX ainda não conhecia, verdadeiros exércitos de empregados privados, de funcionários públicos, de pequenos empresários, todos formados num regime de ensino secundário ou superior muito facilitado, essas massas de homens, todos mais ou menos educados, essas multidões de "pequenos intelectuais"; considerando essas multidões de homens novos, nem capitalistas nem trabalhistas, que Karl Marx não podia prever, deve-se precisar o pensamento: o fascismo e o bolchevismo têm o lado comum de serem expressões das novas classes médias. E a ideologia que permite explicar o espírito das novas classes médias é a ideologia pequeno-burguesa, violentamente revolucionária e anti-intelectualista.
Explica-se, por isso, que Georges Sorel, o pai espiritual comum do fascismo e do bolchevismo, Georges Sorel, o ideólogo da violência, seja um homem profundamente pequeno-burguês, representante típico das classes médias francesas, preocupado com a decadência das "autoridades sociais", que ele concebeu fielmente no espírito conservador de Le Play; preocupado, enfim, com a decadência vital da raça latina, pela qual ele responsabiliza violentamente a Inteligência; ao espírito ele prefere a vitalização pelos instintos bárbaros da massa.
Fica-se a admirar que Sorel fale em decadência, na França dos Taine e Bergson, dos Flaubert e Proust, dos Mallarmé e Claudel, dos Degas e Cézanne, dos Rodin e Debussy, dos Pasteur e Henri Poincaré, numa das épocas mais magníficas do espírito francês. Mas é por isso mesmo. Sorel é violentamente anti-intelectualista. Vê no espírito e suas obras o grande obstáculo da volta ao primitivo. Neste ponto, Sorel parece sobretudo "moderno", contemporâneo de nós outros. É a hostilidade ao espírito que liga Sorel diretamente às novas classes médias.
No pensador revolucionário Sorel não se viu o conservador, o representante das classes médias. O mal-entendido correspondente não viu nas novas classes médias as possibilidades revolucionárias. Durante um século, o século XIX, esqueceu-se que a classe média fizera a Grande Revolução. Via-se na classe média a classe essencialmente conservadora, a portadora mesma das tradições humanísticas, e ela o era enquanto os princípios consolidados da Revolução Francesa abrigavam a classe média contra as ameaças do grande capitalismo e do movimento socialista. Isto, porém, acabou. Chegou o dia de uma nova classe média, pronta a vencer por uma nova revolução violenta ou, como na Rússia, triunfar contra um regime obsoleto. Foi Sorel quem emprestou às novas classes médias a ideologia revolucionária.
Poder-se-ia acreditar que os grandes obstáculos dessa revolução fossem os capitalistas e os trabalhadores, ou, na Rússia, um regime milenário e eclesiasticamente consolidado. Engano. Vimos a fraqueza incrível do regime tzarista, a derrota fácil dos socialistas, o suicídio dos capitalistas. O verdadeiro obstáculo - e Sorel o previra bem - era a Inteligência. É ela que merece as diatribes mais cruéis dos chefes e dos caudilhos. Para a vitória final, precisa-se acabar com a Inteligência.
Como? Não é a classe média o principal agente dos movimentos espirituais? Sim, é, ou, melhor, foi. O século XIX, o século liberal, abre a todos todas as possibilidades. A educação superior é o caminho da ascensão. A preeminência da classe média no século XIX baseia-se na sua cultura universitária. Mas o século XX acaba com isso. O grande capitalismo precisa mais de exércitos de pequenos empregados do que de self-made men; as profissões liberais estão superlotadas; o movimento socialista repele os que resistem à proletarização e suas humilhações e privações. Privada dos privilégios da Inteligência, a classe média quebra furiosamente o instrumento, como uma criança quebra o brinquedo insubmisso. É uma criança, essa nova classe média; mas uma criança perigosa, cheia dos ressentimentos dos déclassés, furiosa contra os livros que já não sabe ler e cujas lições já não garantem a ascensão social. Está madura para a violência.
A violência é o fenômeno "espiritual" central das novas classes médias e da nossa época; significa a determinação de empregar todas as armas, todas as que o esforço do espírito criou, para conseguir um fim material: a salvação social da classe. Não se admitem outros fins. Ridiculizam ou anatematizam todos os esforços independentes, desinteressados, do espírito. Admiram a especialização útil do "intelectual de profissão", e banem o humanismo do "professor". A violência anti-intelectualista das novas classes médias é, afinal, uma falta de educação, ou, antes, o fruto de uma falsa educação. Fruto da falsa idéia que as classes médias formavam da Universidade: da nova Universidade, que fornece exércitos de médicos, advogados e técnicos, em vez de "clercs", de uma elite.
O problema capital do nosso tempo, o problema da elite, é, no fim das contas, um problema de pedagogia humanística. Existe mesmo, hoje, política que consiste na exterminação das elites pelas armas dos especialistas. E foi bem preparada: da diminuição das lições latinas, existe apenas um passo para a destruição dos livros e dos museus.
O resultado mais freqüente da moderna educação universitária é um decidido adeus aos livros. Mais tarde, combaterão as "línguas mortas" na escola. Enfim, declararão inútil todo o ensino secundário, com as suas idéias vagas e inúteis duma "cultura geral"; talvez toquem, com isso, no ponto nevrálgico da discussão. Todo o problema espiritual dos nossos dias é, pois, um problema de falta de educação humanística, um problema pedagógico; e todo o problema pedagógico dos nossos dias é um problema da escola específica das classes médias, da escola secundária.
Segundo o regime escolar vigente em todos os países, sem exceção, a Universidade dedica-se ao ensino profissional superior, enquanto a "cultura geral" fica reservada ao ensino secundário, aos ginásios e aos liceus. Quer dizer: o ensino da cultura geral limita-se aos jovens de dez a dezoito anos. Depois, a "cultura" termina, e a medicina e a jurisprudência começam, sem nenhuma "cultura geral". Os conhecimentos do ensino secundário empalidecem, naturalmente, com o tempo; mas ainda há coisa pior: todo esse ensino de "cultura geral" é feito ao alcance de jovens de dez a dezoito anos: a história, a filosofia, a literatura, amoldadas ad usum Delphini, e forçosamente puerilizadas. E aí fica. Nunca mais o jovem médico ou engenheiro ouve falar em história, filosofia, literatura, exceto pela imprensa ou pelo rádio, que se colocam ao alcance do espírito das grandes massas, pueris por natureza. Resultado: um espírito artificialmente preservado no estado pueril com uma formação profissional superposta. Conheço bem as numerosas exceções que felizmente existem. Mas, em geral, estas massas graduadas se distinguem dos iletrados somente por uma autoridade profissional que as torna menos úteis que perigosas. Ainda uma vez cito Ortega y Gasset: "La peculiarísima brutalidad y la agresiva estupidez con que se comporta un hombre, cuando sabe mucho de una cosa y ignora de raiz todas las demás" (O. c., p. 1291). Eles, porém, os iletrados, têm sempre razão, porque são muitos e ocupam um lugar de elite, esse "proletariado intelectual", sem dinheiro ou com ele, isso não importa. Julgam tudo, e tudo deles depende. Lêem os livros e decidem sobre os sucessos de livraria, criticam os quadros e as exposições, aplaudem e vaiam no teatro e nos concertos, dirigem as correntes das idéias políticas, e tudo isto com a autoridade que o grau acadêmico lhes confere. Em suma, desempenham o papel de elite. São osnouveaux maîtres, os señoritos arrogantes, graduados e violentos; e nós sofremos as conseqüências, amargamente, cruelmente.
"We are entered in a race between education and catastrophe." Wells tem muita razão. Mas é de grande importância datar a desgraça. Esta catástrofe irrompeu sob o signo do progresso, e o progresso ilimitado, muito do gosto de um Wells, cavará mais profundamente o abismo. O verdadeiro caminho é a volta.
Temos mais uma vez "a disputa do medievalismo". Uma coisa fica, porém: a Universidade é uma criação da Idade Média. Todas as universidades medievais são, por princípio, instituições "clericais": elas formam os "clercs". O restabelecimento das universidades "clericais" é uma restauração de tradições.
Quatro ou cinco faculdades reunidas não constituem ainda uma universidade. Elas não criam esta "convivence of sciences, which forms a philosophical habit of mind", de que fala o cardeal Newman. Não se trata destas ciências ou daquelas profissões. Trata-se do espírito comum que as anima, do espírito filosófico, anti-utilitário, desinteressado, que as nossas universidades perderam, e que é a própria Idéia de Universidade. Derrubemos, pois, este estado de coisas. É ao ensino secundário que cabe o preparo do ensino profissional, dispensado nos hospitais e na magistratura. Em conclusão, é à Universidade que incumbe a formação do espírito da "clericatura".
Voltemos aos estudantes: o seu utilitarismo, mais perigoso que o das ciências, perdurará enquanto a freqüência das universidades for a chave para as posições de mando na sociedade. Verdadeiramente, o oposto deste utilitarismo é o desinteresse, no qual Newman via o espírito e a idéia de universidade, o espírito do clero universitário medieval que se sentia independente do mundo e somente responsável perante Deus. Sem tais padres o altar fica vazio e o culto abandonado. Poderia chegar o dia em que ninguém compreenderia mais as fórmulas nem os poemas, em que os quadros de Rembrandt seriam pedaços de tela e as partituras de Beethoven farrapos de papel; dia da barbaria, em que a história humana se transformaria, pela sucessão de desgraças, num formigueiro mal organizado. E este dia talvez já esteja mais próximo do que realmente pensamos. "Somos a última reserva, fiquemos conscientes disto." dizia Hugo Ball. Fiquemos conscientes, "dreading to leave an illiterate Ministery to the Churches, when our present Ministers shall lie in the dust".
Fonte: Icones.com.br
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
Não há democracia no Brasil
"O príncipe Imperial do Brasil, Dom Bertrand de Orleans e Bragança esteve em Florianópolis para prestigiar a nomeação do procurador Gilberto Callado para a Academia Catarinense de Letras. Em entrevista na casa do procurador, onde ficou hospedado por dois dias, o príncipe falou sobre diversos temas da atualidade e da política brasileira como democracia, reforma agrária e economia.
Uma das maiores ameaças à democracia, segundo D. Bertrand, são os conflitos agrários. O príncipe participa do Movimento Paz no Campo, que se opõe á Reforma Agrária, o que considera uma proposta inviável para o desenvolvimento do país. “Eu costumo desafiar a qualquer economista, sociólogo ou historiador, a enumerar uma reforma agrária na história do mundo que tenha dado certo”, aponta. “Não existe”. Segundo ele, os resultados desse tipo de reforma são a chamada favela rural. Para ele, os agricultores “vítimas” da reforma agrária feita até agora, só não morrem de fome por que o Governo compra alimentos dos produtores para fazer a cesta-básica. Para ele a solução do campo não está na reforma agrária, mas na iniciativa privada. “O Agronegócio criou em um ano 1,3 milhão de empregos, enquanto que a reforma assentou cerca de 40 mil famílias”, conta citando dados do Ministério da Agricultura sobre os anos de 2003 e 2004, apontados como a melhor safra. “O que cria emprego é a iniciativa privada”, conclui.
O príncipe Imperial aponta três princípios sócio econômicos que “respeitados, a nação floresce, não respeitados, a nação fenece”, diz o monarca. Deles depende o desenvolvimento de um país.
O primeiro diz respeito à livre iniciativa. “Sem ela, você inibe a capacidade criativa de um povo. A prova é o fracasso dos países socialistas”, explica. O segundo é o respeito ao direito de propriedade. “Segundo a doutrina social da Igreja, este é um direito natural”. Ele cita o papa Leão XIII que teria dado a definição melhor e mais clara do funcionamento da economia. “Propriedade e trabalho é igual a capital acumulado”. E explica em seguida. “Eu trabalho algo a mais do que necessita para o meu sustento. Dia após dia, eu acumulo este ‘algo a mais’, com isso formo meu capital, compro um carro, uma casa, formo minha empresa, o que for. Mas isso é meu. É fruto do meu trabalho”, exemplifica. “Se eu não sou dono do fruto do meu trabalho, sou um escravo do Estado. A garantia da liberdade é a propriedade privada”, conclui o príncipe acrescentando que esta é a doutrina social da Igreja.
O último princípio, também defendido pela Igreja, que ele aponta estar repleto de exemplos pelo mundo, é o que ele chama de Princípio da Subsidiariedade. Segundo esta tese, o governo não deve dar ao povo nada do que o próprio povo não tenha a capacidade de conquistar. Uma clara orígem da chamada teoria do ‘Estado mínimo’ que restringe o papel do Estado para garantir maior liberdade ao cidadão. “No topo da pirâmide deve estar o governo da União. Pequeno, leve e ágil, capaz de indicar os grandes rumos”, explica. Ele considera que hoje temos uma pirâmide invertida, com um governo colossal, hipertrofiado. “A vitalidade de uma nação não vem de cima para baixo, vem de baixo para cima. É como uma planta que tira suas forças da terra fértil”, compara. “De cima deve vir o que? A indicação dos grandes rumos, o exemplo e a coordenação das forças”. Ele acrescenta ainda que todos estes problemas produzem um custo público absurdo e os serviços são péssimos."
Fonte: Cristian Derosa - Link Nacional
Uma das maiores ameaças à democracia, segundo D. Bertrand, são os conflitos agrários. O príncipe participa do Movimento Paz no Campo, que se opõe á Reforma Agrária, o que considera uma proposta inviável para o desenvolvimento do país. “Eu costumo desafiar a qualquer economista, sociólogo ou historiador, a enumerar uma reforma agrária na história do mundo que tenha dado certo”, aponta. “Não existe”. Segundo ele, os resultados desse tipo de reforma são a chamada favela rural. Para ele, os agricultores “vítimas” da reforma agrária feita até agora, só não morrem de fome por que o Governo compra alimentos dos produtores para fazer a cesta-básica. Para ele a solução do campo não está na reforma agrária, mas na iniciativa privada. “O Agronegócio criou em um ano 1,3 milhão de empregos, enquanto que a reforma assentou cerca de 40 mil famílias”, conta citando dados do Ministério da Agricultura sobre os anos de 2003 e 2004, apontados como a melhor safra. “O que cria emprego é a iniciativa privada”, conclui.
O príncipe Imperial aponta três princípios sócio econômicos que “respeitados, a nação floresce, não respeitados, a nação fenece”, diz o monarca. Deles depende o desenvolvimento de um país.
O primeiro diz respeito à livre iniciativa. “Sem ela, você inibe a capacidade criativa de um povo. A prova é o fracasso dos países socialistas”, explica. O segundo é o respeito ao direito de propriedade. “Segundo a doutrina social da Igreja, este é um direito natural”. Ele cita o papa Leão XIII que teria dado a definição melhor e mais clara do funcionamento da economia. “Propriedade e trabalho é igual a capital acumulado”. E explica em seguida. “Eu trabalho algo a mais do que necessita para o meu sustento. Dia após dia, eu acumulo este ‘algo a mais’, com isso formo meu capital, compro um carro, uma casa, formo minha empresa, o que for. Mas isso é meu. É fruto do meu trabalho”, exemplifica. “Se eu não sou dono do fruto do meu trabalho, sou um escravo do Estado. A garantia da liberdade é a propriedade privada”, conclui o príncipe acrescentando que esta é a doutrina social da Igreja.
O último princípio, também defendido pela Igreja, que ele aponta estar repleto de exemplos pelo mundo, é o que ele chama de Princípio da Subsidiariedade. Segundo esta tese, o governo não deve dar ao povo nada do que o próprio povo não tenha a capacidade de conquistar. Uma clara orígem da chamada teoria do ‘Estado mínimo’ que restringe o papel do Estado para garantir maior liberdade ao cidadão. “No topo da pirâmide deve estar o governo da União. Pequeno, leve e ágil, capaz de indicar os grandes rumos”, explica. Ele considera que hoje temos uma pirâmide invertida, com um governo colossal, hipertrofiado. “A vitalidade de uma nação não vem de cima para baixo, vem de baixo para cima. É como uma planta que tira suas forças da terra fértil”, compara. “De cima deve vir o que? A indicação dos grandes rumos, o exemplo e a coordenação das forças”. Ele acrescenta ainda que todos estes problemas produzem um custo público absurdo e os serviços são péssimos."
Fonte: Cristian Derosa - Link Nacional
sexta-feira, 1 de agosto de 2008
LOS CONTACTOS DE LAS FARC
"LOS CONTACTOS DE LAS FARC
La expansión de las Farc en América Latina no solo incluyó a funcionarios de los gobiernos de Venezuela y Ecuador, sino que también comprometió a destacados dirigentes, políticos y altos miembros del Partido de los Trabajadores, al que pertenece el presidente Luis Inácio 'Lula' Da Silva. Además el grupo guerrillero mantuvo contactos con procuradores y jueces de Brasil.
- José Dirceu, ministro de la Presidencia.
- Roberto Amaral, ex ministro de Ciencia.
- Erika Kokay, diputada.
- Gilberto Carvalho, jefe de Gabinete.
- Celso Amorín, canciller.
- Marco A. García, asesor Asuntos Internacionales.
- Perly Cipriano, subsecretario Promoción DD.HH.
- Paulo Vanucci, ministro Secretaría de DD.HH.
- Selvino Heck, asesor presidencial."
Fonte: Revista Cambio
La expansión de las Farc en América Latina no solo incluyó a funcionarios de los gobiernos de Venezuela y Ecuador, sino que también comprometió a destacados dirigentes, políticos y altos miembros del Partido de los Trabajadores, al que pertenece el presidente Luis Inácio 'Lula' Da Silva. Además el grupo guerrillero mantuvo contactos con procuradores y jueces de Brasil.
- José Dirceu, ministro de la Presidencia.
- Roberto Amaral, ex ministro de Ciencia.
- Erika Kokay, diputada.
- Gilberto Carvalho, jefe de Gabinete.
- Celso Amorín, canciller.
- Marco A. García, asesor Asuntos Internacionales.
- Perly Cipriano, subsecretario Promoción DD.HH.
- Paulo Vanucci, ministro Secretaría de DD.HH.
- Selvino Heck, asesor presidencial."
Fonte: Revista Cambio
quinta-feira, 31 de julho de 2008
El 'dossier' brasileño
"No menos comprometedores son aquellos en los que aparecen mencionados algunos ministros. En uno de ellos, dirigido a 'Reyes' el 4 de junio de 2005 por un tal 'José Luis', figura el nombre del ministro de la Presidencia José Dirceo. "Llegó un joven de unos 30 años y se presentó como Breno Altman (dirigente del PT), me dijo que venía de parte del ministro de la Presidencia José Dirceo, que por motivos de seguridad ellos habían acordado que las relaciones no pasaran por la Secretaría de Relaciones Internacionales, sino que se hicieran directamente a través del ministro con la representación de Breno".
Al final del mensaje, 'José Luis' dice que el Gobierno brasileño y el PT le darán protección a 'Medina' mientras avanza el trámite de la extradición: "Le repliqué (sic) si podíamos estar tranquilos, que no lo iban a secuestrar o a deportar a Colombia y me contestó: 'Pueden estar tranquilos' ". "
Fonte: Revista Cambio - El 'dossier' brasileño
Al final del mensaje, 'José Luis' dice que el Gobierno brasileño y el PT le darán protección a 'Medina' mientras avanza el trámite de la extradición: "Le repliqué (sic) si podíamos estar tranquilos, que no lo iban a secuestrar o a deportar a Colombia y me contestó: 'Pueden estar tranquilos' ". "
Fonte: Revista Cambio - El 'dossier' brasileño
sábado, 28 de junho de 2008
Listerine
"A propaganda também é uma excelente ferramenta para criar a sabedoria convencional. O Listerine, por exemplo, foi inventado no século XIX como um eficiente anti-séptico cirúrgico. Mais tarde foi vendido, na forma destilada, para limpar o chão e curar gonorréia. Porém, só se tornou um sucesso retumbante, nos anos 20, quando foi louvado como solução para a "halitose crônica" - então um obscuro termo médico para mau hálito. Os novos anúncios do Listerine mostravam jovens dos dois sexos, ansiosos para casar, mas que perdiam essa vontade diante do fétido hálito de seus parceiros. "Será que vou conseguir ser feliz com ele apesar disto'?", perguntava-se uma mocinha casadoira. Até então, não se convencionara achar o mau hálito uma catástrofe de tamanha monta, mas o Listerine produziu uma mudança. Como escreveu o estudioso de propaganda James B. Twitchell: "O Listerine foi mais responsável por promover a halitose do que a higiene bucal." Em apenas sete anos, a receita da empresa subiu de $115 mil para mais de $8 milhões."
Freakonomics - Steven D. Levitt
Freakonomics - Steven D. Levitt
segunda-feira, 23 de junho de 2008
REBELADO
"Ri tua face um riso acerbo e doente,
que fere, ao mesmo tempo que contrista...
Riso de ateu e riso de budista
gelado no Nirvana impenitente.
Flor de sangue, talvez, e flor dolente
de uma paixão espiritual de artista,
flor de Pecado sentimentalista
sangrando em riso desdenhosamente.
Da alma sombria de tranqüilo asceta
bebeste, entanto, a morbidez secreta
que a febre das insânias adormece.
Mas no teu lábio convulsivo e mudo
mesmo até riem, com desdéns de tudo,
as sílabas simbólicas da Prece!"
Cruz e Sousa (1861 - 1898)
que fere, ao mesmo tempo que contrista...
Riso de ateu e riso de budista
gelado no Nirvana impenitente.
Flor de sangue, talvez, e flor dolente
de uma paixão espiritual de artista,
flor de Pecado sentimentalista
sangrando em riso desdenhosamente.
Da alma sombria de tranqüilo asceta
bebeste, entanto, a morbidez secreta
que a febre das insânias adormece.
Mas no teu lábio convulsivo e mudo
mesmo até riem, com desdéns de tudo,
as sílabas simbólicas da Prece!"
Cruz e Sousa (1861 - 1898)
terça-feira, 3 de junho de 2008
Teologia da libertação
"A teologia da libertação pretende dar nova interpretação global do Cristianismo; explica o Cristianismo como uma práxis de libertação e pretende constituir-se, ela mesma, um guia para tal práxis. Mas, assim como, segundo essa teologia, toda realidade é política, também a libertação é um conceito político e o guia rumo à libertação deve ser um guia para a ação política."
"Os teólogos da libertação continuam a usar grande parte da linguagem ascética e dogmática da Igreja em chave nova, de tal modo que aqueles que lêem e escutam, partindo de outra visão, podem ter a impressão de reencontrar o patrimônio antigo com o acréscimo apenas de algumas afirmações um pouco estranhas..."
A fé em crise: o Cardeal Ratzinger se interroga - Ratzinger, Joseph"Os teólogos da libertação continuam a usar grande parte da linguagem ascética e dogmática da Igreja em chave nova, de tal modo que aqueles que lêem e escutam, partindo de outra visão, podem ter a impressão de reencontrar o patrimônio antigo com o acréscimo apenas de algumas afirmações um pouco estranhas..."
Para saber mais sobre teologia da libertação, sugiro o arquivo de áudio: Cardeal Ratzinger e a Teologia da Libertação.
Nesse arquivo, o Padre Paulo Ricardo comenta o texto do Cardeal Joseph Ratzinger a respeito da Teologia da Libertação.
Fonte: Padre Paulo Ricardo
quinta-feira, 8 de maio de 2008
Alguma semelhança com o Partidão brasileiro?
"Por essa razão é mais conveniente divulgar a idéia, pelo menos durante certo tempo, dentro de um determinado núcleo, para daí selecionar o material humano em condições de dirigir o movimento. Mais de uma vez se evidenciará que, nessa seleção, não devemos julgar pelas aparências.
Seria, porém, inteiramente falso ver, em conhecimentos teóricos, provas de capacidade de direção.
O contrário acontece frequentemente.
Um grande teórico é raramente um grande organizador, pois o valor do teórico consiste, em primeiro lugar, na noção e definição de leis abstratamente exatas, enquanto o organizador deve ser em primeiro lugar um conhecedor da psicologia popular. Deve ver os homens como eles são na realidade. Não lhes deve dar demasiada importância nem depreciá-los no meio da massa. Ao contrário, deve ter em conta tanto a sua fraqueza como o seu aspecto instintivo, para, tomando em consideração todos os fatores, organizar uma força capaz de sustentar uma idéia e de garantir-lhe o sucesso!
Um grande teórico será raramente um líder. A um agitador é mais fácil possuir essas qualidades, apesar da oposição dos teóricos puros. Isso é perfeitamente compreensível. Um agitador capaz de comunicar uma idéia à grande massa, precisa conhecer a psicologia do povo, mesmo que ele não seja senão um demagogo. Mesmo nessa hipótese, ele será um líder mais apto do que o teórico desconhecedor da psicologia humana. Para ser chefe é preciso ter a capacidade para movimentar massas. A capacidade intelectual nada tem que ver com a capacidade de comando. Por isso, é completamente supérfluo discutir se há mais valor em criar idéias e finalidades do que em realizá-las. Aqui acontece o mesmo que em muitos outros casos: um não pode dispensar o outro. A mais bela doutrina não tem nem finalidade nem eficiência se o líder não consegue empolgar as massas. Por outro lado, de que utilidade seria a genialidade de um condutor de massas, se o teórico não indicasse as finalidades das lutas humanas? A existência, no mesmo indivíduo, do teórico, do organizador e do líder é o mais raro fenômeno deste mundo. Quando isso se dá trata-se de um gênio.
Dediquei-me, nos primeiros tempos da minha atividade partidária, à propaganda. Por essa propaganda dever-se-ia conseguir, pouco a pouco, um pequeno núcleo de indivíduos, convencidos da nova idéia, os quais formariam assim o material que, mais tarde, poderia fornecer os primeiros elementos de uma organização. Visávamos mais à propaganda do que a organização.
Quando um movimento tem como finalidade demolir uma situação existente para reconstruir, em seu lugar, um mundo novo, é preciso que os seus líderes estejam todos acordes sobre os seguintes princípios fundamentais: cada movimento deve dividir o stock humano conquistado para a causa em dois grandes grupos: adesistas e combatentes."
Adolf Hitler - Minha Luta
Seria, porém, inteiramente falso ver, em conhecimentos teóricos, provas de capacidade de direção.
O contrário acontece frequentemente.
Um grande teórico é raramente um grande organizador, pois o valor do teórico consiste, em primeiro lugar, na noção e definição de leis abstratamente exatas, enquanto o organizador deve ser em primeiro lugar um conhecedor da psicologia popular. Deve ver os homens como eles são na realidade. Não lhes deve dar demasiada importância nem depreciá-los no meio da massa. Ao contrário, deve ter em conta tanto a sua fraqueza como o seu aspecto instintivo, para, tomando em consideração todos os fatores, organizar uma força capaz de sustentar uma idéia e de garantir-lhe o sucesso!
Um grande teórico será raramente um líder. A um agitador é mais fácil possuir essas qualidades, apesar da oposição dos teóricos puros. Isso é perfeitamente compreensível. Um agitador capaz de comunicar uma idéia à grande massa, precisa conhecer a psicologia do povo, mesmo que ele não seja senão um demagogo. Mesmo nessa hipótese, ele será um líder mais apto do que o teórico desconhecedor da psicologia humana. Para ser chefe é preciso ter a capacidade para movimentar massas. A capacidade intelectual nada tem que ver com a capacidade de comando. Por isso, é completamente supérfluo discutir se há mais valor em criar idéias e finalidades do que em realizá-las. Aqui acontece o mesmo que em muitos outros casos: um não pode dispensar o outro. A mais bela doutrina não tem nem finalidade nem eficiência se o líder não consegue empolgar as massas. Por outro lado, de que utilidade seria a genialidade de um condutor de massas, se o teórico não indicasse as finalidades das lutas humanas? A existência, no mesmo indivíduo, do teórico, do organizador e do líder é o mais raro fenômeno deste mundo. Quando isso se dá trata-se de um gênio.
Dediquei-me, nos primeiros tempos da minha atividade partidária, à propaganda. Por essa propaganda dever-se-ia conseguir, pouco a pouco, um pequeno núcleo de indivíduos, convencidos da nova idéia, os quais formariam assim o material que, mais tarde, poderia fornecer os primeiros elementos de uma organização. Visávamos mais à propaganda do que a organização.
Quando um movimento tem como finalidade demolir uma situação existente para reconstruir, em seu lugar, um mundo novo, é preciso que os seus líderes estejam todos acordes sobre os seguintes princípios fundamentais: cada movimento deve dividir o stock humano conquistado para a causa em dois grandes grupos: adesistas e combatentes."
Adolf Hitler - Minha Luta
Manutenção de Crenças Inválidas
"É muito difícil para pessoas correntemente sensíveis à realidade manterem crenças ou convicções que sejam claramente inválidas. Pelo termo "inválido" não entendo aqui uma crença que é possivelmente errada, e sim uma crença que foi e continua a ser direta e inequivocamente desconfirmada por boas provas, como os eventos reais que se impõem às pessoas que sustentam a crença. O que se descreveu na última frase corresponde, é claro, a uma dissonância cognitiva. Quando uma prova clara e inequivocamente desconfirmatória se impõe a uma pessoa, a cognição correspondente a esse conhecimento é dissonante com a crença ou convicção que ela sustenta. Quando existe semelhante estado de coisas, o modo mais usual e comum de eliminar a dissonância é rejeitar essa crença, em vez de tentar negar a evidência dos próprios sentidos. Por exemplo, se uma pessoa crê ser impossível que objetos mais pesados que o ar voem, ela rejeitará indubitavelmente essa crença ao ver um avião cruzando os céus — ou, pelo menos, depois de voar num.
Mas há circunstâncias em que isso não acontece — isto é, mesmo em face de provas claramente desconfirmatórias, a crença não é rejeitada. Conta-se, por exemplo, haver jogadores que continuam a acreditar na validade de certos "sistemas" para ganhar na roleta, apesar de perdas contínuas usando esse tal sistema. Também se diz haver casos de cientistas que continuam a crer na validade de uma teoria, muito depois dela ter sido refutada por evidentes provas experimentais. Quais são, porém, as circunstâncias em que isso acontece — isto é, em que condições as tentativas de redução de dissonância se concentram em negar a evidência da realidade, em vez de rejeitar a crença? Como vimos no Capítulo 8, espera-se que isso aconteça nas seguintes circunstâncias: a crença é difícil de mudar e existe um suficiente número de pessoas com idêntica dissonância, pelo que o apoio social pode ser facilmente obtido."
Festinger, L. (1957). Theory of Cognitive Dissonance. Stanford: Stanford
University Press
Mas há circunstâncias em que isso não acontece — isto é, mesmo em face de provas claramente desconfirmatórias, a crença não é rejeitada. Conta-se, por exemplo, haver jogadores que continuam a acreditar na validade de certos "sistemas" para ganhar na roleta, apesar de perdas contínuas usando esse tal sistema. Também se diz haver casos de cientistas que continuam a crer na validade de uma teoria, muito depois dela ter sido refutada por evidentes provas experimentais. Quais são, porém, as circunstâncias em que isso acontece — isto é, em que condições as tentativas de redução de dissonância se concentram em negar a evidência da realidade, em vez de rejeitar a crença? Como vimos no Capítulo 8, espera-se que isso aconteça nas seguintes circunstâncias: a crença é difícil de mudar e existe um suficiente número de pessoas com idêntica dissonância, pelo que o apoio social pode ser facilmente obtido."
Festinger, L. (1957). Theory of Cognitive Dissonance. Stanford: Stanford
University Press
quarta-feira, 16 de abril de 2008
Jorge Luis Borges, o grande personagem borgiano
"Depois da fama, alcançada nos anos 60, o escritor se tornou uma ilusão, um simulador
A França comemorou o centenário de Borges (1899-1999) em grande estilo: números monográficos de revistas e suplementos literários, chuva de artigos, reedições de seus livros e, suprema glória para um escritor, seu ingresso na Pléiade, a biblioteca dos imortais, com dois volumes compactos e um álbum especial com imagens de toda a sua biografia. Na Academia de Belas Artes, transformada em labirinto, uma vasta exposição preparada por Maria Kodama e a Fundação Borges documenta cada passo que ele deu, desde o seu nascimento até sua morte, os livros que leu e escreveu, as viagens que fez e as infinitas condecorações e diplomas que lhe foram concedidos. No dia de abertura da exposição, segundo testemunhas locais, rutilavam luminares intelectuais e políticos e, acreditem ou não, algumas moças lindas vestiam camisetas pólo brancas e pretas estampadas com o nome de Borges.
Nenhum país desenvolveu melhor do que a França a arte de detectar o gênio artístico estrangeiro e apropriar-se dele, entronizando-o e irradiando-o. Vendo a exuberância e a felicidade com que os franceses celebram os cem anos do autor de Ficções, tive, nesses dias, a estranha sensação de que Borges foi patrício não de Sarmiento e Bioy Casares, mas de Saint-John Perse e Válery. Bem, mesmo que não tenha sido, é justo reconhecer que, sem o entusiasmo da França por sua obra, talvez ele não tivesse obtido - não tão depressa - o reconhecimento que, a partir dos anos 60, o converteu em um dos escritores mais traduzidos, admirados e imitados em todas as línguas cultas do planeta.
Tenho a garridice de acreditar que fui testemunha do coup de foudre, o amor à primeira vista dos franceses por Borges, nos anos de 1960 e 1961. Vim a Paris para participar de uma homenagem a Shakespeare, organizada pela Unesco, e a intervenção deste ancião precoce e semi-inválido, a quem Roger Caillois apresentou com efervescência retórica, surpreendeu a todo o mundo. Antes dele haviam falado o engenhoso Lawrence Durrell, comparando o bardo a Hollywood, e depois Giuseppe Ungaretti, que leu, com talento histriônico, suas traduções para o italiano de alguns sonetos de Shakespeare.
Mas a exposição feita por Borges em um francês polido, fantasiando por que alguns criadores se tornam símbolos de uma cultura - Dante, da italiana; Cervantes, da espanhola; Goethe, da alemã - e sobre como Shakespeare se eclipsou para que seus personagens fossem mais nítidos e livres, seduziu por sua originalidade e sutileza. Dias depois, sua conferência no Instituto da América Latina, além de ter lotado o salão, atraiu um grupo de escritores da moda, entre os quais se incluía Roland Barthes.
Aquela foi uma das palestras mais tocantes que já ouvi. O tema era a literatura fantástica. A palestra foi ilustrada com breves resumos de contos e novelas - de diversas línguas e épocas - , os recursos mais freqüentes de que este gênero se vale para "fingir a irrealidade". Imóvel atrás da tribuna, com uma voz intimidada, como se estivesse pedindo desculpas, mas, na verdade, com soberba desenvoltura, o conferencista parecia ter na memória a literatura universal e desenvolvia sua argumentação com elegância e astúcia. "Certamente este escritor vem do país dos gaúchos", exclamou um ouvinte maravilhado, enquanto aplaudia com entusiasmo (Borges havia posto ponto final na sua conferência com uma pergunta de efeito: "E, agora, decidam os senhores se pertencem à literatura realista ou à fantástica").
Sim, ele vinha do país dos gaúchos, mas não tinha nada de exótico nem de primitivo, e sua obra não fazia alarde das cores locais. Já havia escrito várias obras-primas, mas ainda era conhecido só por pequenos grupos de admiradores, inclusive no seu país, e seus contos e ensaios circulavam em edições pouco menos que familiares. A França o tirou da catacumba em que ele enlanguecia.
Sucesso na França - Depois daquela visita, a revista L'Herne dedicou a ele um número memorável e Michael Foucault iniciou o livro de filosofia mais influente da década - Les Mots e les Choses - com um comentário borgeano. O entusiasmo foi ecumênico: de Le Figaro a Le Nouvel Observateur, de Les Temps Modernes, de Sartre, a Les Lettres Françaises, de Aragon. E, como ainda sucede atualmente em assuntos de cultura, quando a França legislava o resto do mundo obedecia. Os latino-americanos, os espanhóis, os norte-americanos, os italianos, os alemães, etc., começaram, na retaguarda dos franceses, a ler Borges. Assim começou a história que culmina, agora, com as trombetas e a pompa do centenário.
O Borges que, durante aquela visita a Paris, resignou-se a conceder uma entrevista (uma entre mil) ao obscuro jornalista da Radiotelevisão Francesa, que era este escriba, ainda não era esse Borges público, essa persona de gestos, palavras e atitudes um tanto estereotipados em que logo se converteria, obrigado pela fama e para se defender de seus estragos.
Era, contudo, um sensível e tímido intelectual portenho, apegado às saias da mãe, que não conseguia entender a crescente curiosidade e admiração que despertava, sinceramente incomodado pela enxurrada de prêmios, elogios, estudos, homenagens que lhe caiam em cima, embaraçado com a proliferação de discípulos e imitadores que encontrava onde quer que fosse. É difícil saber se ele chegou a acostumar-se com esse papel.
Talvez sim, a julgar pelo desfile vertiginoso de fotos da exposição de Beaux Arts, nas quais ele é visto recebendo medalhas e homenagens e subindo a todas as tribunas para fazer palestras e recitais.
Mas as aparências enganam. O Borges das fotografias não era ele, e sim, como o Shakespeare de seu ensaio, uma ilusão, um simulador, alguém que andava pelo mundo representando Borges e dizendo as coisas que se esperava que Borges dissesse sobre os labirintos, os tigres, os "compadritos", as facas, a rosa do futuro de Wells, o marinheiro cego de Stevenson e as Mil e Uma Noites. A primeira vez que falei com ele, naquela entrevista de 1960 ou 1961 (lembro-me de sua resposta a uma de minhas perguntas - "O que é a política para você, Borges?" : "Uma das formas do tédio"), estou seguro de que, pelo menos em algum momento, realmente falei, me conectei com ele.
Nunca mais voltei a ter essa sensação nos anos seguintes. Eu o vi muitas vezes, em Londres, Buenos Aires, Nova York, Lima, e voltei a entrevistá-lo, e até o recebi em minha casa por várias horas na última vez.
Mas em nenhuma dessas ocasiões senti que conversávamos. Ele já tinha apenas ouvintes, não interlocutores, e talvez um só ouvinte - que mudava de rosto, de nome e de lugar - diante do qual ia desfiando um monólogo curioso, interminável, atrás do qual se havia recolhido ou enterrado para fugir dos demais e até da realidade, como um de seus personagens. Ele era o homem mais homenageado do mundo e dava uma tremenda impressão de solidão.
Lucidez - Os franceses o fizeram mais feliz, ou menos infeliz, tornando-o famoso? Não há meios de saber isso. Mas tudo indica que, contrariamente ao que poderiam sugerir as atitudes de sua persona pública, ele carecia de vaidades terrenas. Tinha dúvidas genuínas sobre a perenidade de sua própria obra e era demasiadamente lúcido para sentir-se cumulado de reconhecimentos oficiais. Provavelmente, só teve prazer lendo, pensando e escrevendo; o resto foi secundário, e ele se prestou a isso graças à boa criação recebida, salvando muito bem as aparências, embora sem muita convicção. Por isso, aquela famosa frase que escreveu (ele foi, entre outras coisas, o melhor escritor de frases de seu tempo) -"Li muitas coisas e vivi poucas" - o retrata de corpo inteiro.
É certo que, apesar de ter passado os últimos 20 anos de sua vida em meio a multidões, Borges nunca chegou a ter consciência cabal da enorme influência de sua obra sobre a literatura de seu tempo, e ainda menos da revolução que a sua maneira de escrever significou para a língua castelhana. O estilo de Borges é inteligente e límpido, de uma concisão matemática, de adjetivos audazes e idéias insólitas, no qual, como não sobra nem falta nada, deparamos, a cada passo, com esse mistério inquietante que é a perfeição.
Contrariando algumas de suas afirmações pessimistas sobre a incapacidade do espanhol para a precisão e o matiz, o estilo que ele criou demonstra que a língua espanhola pode ser tão exata e delicada quanto a francesa, tão flexível e inovadora como a inglesa. O estilo borgiano é um dos milagres estéticos do século que termina, um estilo que desinflou a língua espanhola da elefantíase retórica, da ênfase e da reiteração que a asfixiavam; que a depurou até quase a anorexia e a obrigou a ser luminosamente inteligente. (Para encontrar outro prosista tão inteligente como ele é preciso retroceder até Quevedo, escritor que Borges amou e do qual fez uma preciosa antologia comentada.) Pois bem, na prosa de Borges, por excesso de razão e de idéias, de contenção intelectual, há, também, como na de Quevedo, algo de desumano. É uma prosa que lhe serviu maravilhosamente para escrever seus fulgurantes relatos fantásticos, a ourivesaria de seus ensaios que transmutavam em literatura toda a existência, e seus poemas arrazoados. Mas com sua prosa seria tão impossível escrever novelas como com a de T.S. Elliot, outro extraordinário estilista cujo excesso de inteligência também entremeou sua percepção da vida. Porque a novela é o território da experiência humana totalizada, da vida integral, da imperfeição.
Nela se mesclam o intelecto e as paixões, o conhecimento e o instinto, a sensação e a intuição, a matéria desigual e poliédrica que as idéias, por si sós, não bastam para expressar. Por isso, os grandes novelistas nunca são prosadores perfeitos. Esta é, sem dúvida, a razão da antipatia pertinaz que Borges sentia pelo gênero novelesco, que definiu, em outra de suas frases célebres, como "desvario laborioso e empobrecedor".
As brincadeiras e o humor sempre rondaram seus textos e suas declarações e causaram inúmeros mal-entendidos. Quem carece de senso de humor não entende Borges. Ele foi um esteta provocador, na sua juventude. Embora logo depois tenha-se retratado pelo "equívoco radical" (falava em "equivocación ultraísta") dos anos de sua mocidade, nunca deixou de levar consigo, escondido, o insolente vanguardista que se divertia soltando impertinências. Estranha-me que entre os infinitos livros que foram publicados sobre ele não tenha aparecido nenhum que reúna uma boa coleção das impertinências que disse - como chamar Lorca de "um andaluz profissional", falar do "poeirento Machado", alterar o título de uma novela de Mallea (Todo Leitor Perecerá) e homenagear Sábato dizendo que sua obra "pode ser posta em mãos de qualquer um sem nenhum perigo". Durante a Guerra das Malvinas, disse outra frase, mais arriscada e não menos divertida: "Esta é a disputa dos calvos por um pente." São faíscas de humor que mostram gratidão, que revelam que no interior desse ser "corrompido pela literatura" havia picardia, malícia, vida."
Mario Vargas Llosa - Estado de São Paulo - 19.06.1999
A França comemorou o centenário de Borges (1899-1999) em grande estilo: números monográficos de revistas e suplementos literários, chuva de artigos, reedições de seus livros e, suprema glória para um escritor, seu ingresso na Pléiade, a biblioteca dos imortais, com dois volumes compactos e um álbum especial com imagens de toda a sua biografia. Na Academia de Belas Artes, transformada em labirinto, uma vasta exposição preparada por Maria Kodama e a Fundação Borges documenta cada passo que ele deu, desde o seu nascimento até sua morte, os livros que leu e escreveu, as viagens que fez e as infinitas condecorações e diplomas que lhe foram concedidos. No dia de abertura da exposição, segundo testemunhas locais, rutilavam luminares intelectuais e políticos e, acreditem ou não, algumas moças lindas vestiam camisetas pólo brancas e pretas estampadas com o nome de Borges.
Nenhum país desenvolveu melhor do que a França a arte de detectar o gênio artístico estrangeiro e apropriar-se dele, entronizando-o e irradiando-o. Vendo a exuberância e a felicidade com que os franceses celebram os cem anos do autor de Ficções, tive, nesses dias, a estranha sensação de que Borges foi patrício não de Sarmiento e Bioy Casares, mas de Saint-John Perse e Válery. Bem, mesmo que não tenha sido, é justo reconhecer que, sem o entusiasmo da França por sua obra, talvez ele não tivesse obtido - não tão depressa - o reconhecimento que, a partir dos anos 60, o converteu em um dos escritores mais traduzidos, admirados e imitados em todas as línguas cultas do planeta.
Tenho a garridice de acreditar que fui testemunha do coup de foudre, o amor à primeira vista dos franceses por Borges, nos anos de 1960 e 1961. Vim a Paris para participar de uma homenagem a Shakespeare, organizada pela Unesco, e a intervenção deste ancião precoce e semi-inválido, a quem Roger Caillois apresentou com efervescência retórica, surpreendeu a todo o mundo. Antes dele haviam falado o engenhoso Lawrence Durrell, comparando o bardo a Hollywood, e depois Giuseppe Ungaretti, que leu, com talento histriônico, suas traduções para o italiano de alguns sonetos de Shakespeare.
Mas a exposição feita por Borges em um francês polido, fantasiando por que alguns criadores se tornam símbolos de uma cultura - Dante, da italiana; Cervantes, da espanhola; Goethe, da alemã - e sobre como Shakespeare se eclipsou para que seus personagens fossem mais nítidos e livres, seduziu por sua originalidade e sutileza. Dias depois, sua conferência no Instituto da América Latina, além de ter lotado o salão, atraiu um grupo de escritores da moda, entre os quais se incluía Roland Barthes.
Aquela foi uma das palestras mais tocantes que já ouvi. O tema era a literatura fantástica. A palestra foi ilustrada com breves resumos de contos e novelas - de diversas línguas e épocas - , os recursos mais freqüentes de que este gênero se vale para "fingir a irrealidade". Imóvel atrás da tribuna, com uma voz intimidada, como se estivesse pedindo desculpas, mas, na verdade, com soberba desenvoltura, o conferencista parecia ter na memória a literatura universal e desenvolvia sua argumentação com elegância e astúcia. "Certamente este escritor vem do país dos gaúchos", exclamou um ouvinte maravilhado, enquanto aplaudia com entusiasmo (Borges havia posto ponto final na sua conferência com uma pergunta de efeito: "E, agora, decidam os senhores se pertencem à literatura realista ou à fantástica").
Sim, ele vinha do país dos gaúchos, mas não tinha nada de exótico nem de primitivo, e sua obra não fazia alarde das cores locais. Já havia escrito várias obras-primas, mas ainda era conhecido só por pequenos grupos de admiradores, inclusive no seu país, e seus contos e ensaios circulavam em edições pouco menos que familiares. A França o tirou da catacumba em que ele enlanguecia.
Sucesso na França - Depois daquela visita, a revista L'Herne dedicou a ele um número memorável e Michael Foucault iniciou o livro de filosofia mais influente da década - Les Mots e les Choses - com um comentário borgeano. O entusiasmo foi ecumênico: de Le Figaro a Le Nouvel Observateur, de Les Temps Modernes, de Sartre, a Les Lettres Françaises, de Aragon. E, como ainda sucede atualmente em assuntos de cultura, quando a França legislava o resto do mundo obedecia. Os latino-americanos, os espanhóis, os norte-americanos, os italianos, os alemães, etc., começaram, na retaguarda dos franceses, a ler Borges. Assim começou a história que culmina, agora, com as trombetas e a pompa do centenário.
O Borges que, durante aquela visita a Paris, resignou-se a conceder uma entrevista (uma entre mil) ao obscuro jornalista da Radiotelevisão Francesa, que era este escriba, ainda não era esse Borges público, essa persona de gestos, palavras e atitudes um tanto estereotipados em que logo se converteria, obrigado pela fama e para se defender de seus estragos.
Era, contudo, um sensível e tímido intelectual portenho, apegado às saias da mãe, que não conseguia entender a crescente curiosidade e admiração que despertava, sinceramente incomodado pela enxurrada de prêmios, elogios, estudos, homenagens que lhe caiam em cima, embaraçado com a proliferação de discípulos e imitadores que encontrava onde quer que fosse. É difícil saber se ele chegou a acostumar-se com esse papel.
Talvez sim, a julgar pelo desfile vertiginoso de fotos da exposição de Beaux Arts, nas quais ele é visto recebendo medalhas e homenagens e subindo a todas as tribunas para fazer palestras e recitais.
Mas as aparências enganam. O Borges das fotografias não era ele, e sim, como o Shakespeare de seu ensaio, uma ilusão, um simulador, alguém que andava pelo mundo representando Borges e dizendo as coisas que se esperava que Borges dissesse sobre os labirintos, os tigres, os "compadritos", as facas, a rosa do futuro de Wells, o marinheiro cego de Stevenson e as Mil e Uma Noites. A primeira vez que falei com ele, naquela entrevista de 1960 ou 1961 (lembro-me de sua resposta a uma de minhas perguntas - "O que é a política para você, Borges?" : "Uma das formas do tédio"), estou seguro de que, pelo menos em algum momento, realmente falei, me conectei com ele.
Nunca mais voltei a ter essa sensação nos anos seguintes. Eu o vi muitas vezes, em Londres, Buenos Aires, Nova York, Lima, e voltei a entrevistá-lo, e até o recebi em minha casa por várias horas na última vez.
Mas em nenhuma dessas ocasiões senti que conversávamos. Ele já tinha apenas ouvintes, não interlocutores, e talvez um só ouvinte - que mudava de rosto, de nome e de lugar - diante do qual ia desfiando um monólogo curioso, interminável, atrás do qual se havia recolhido ou enterrado para fugir dos demais e até da realidade, como um de seus personagens. Ele era o homem mais homenageado do mundo e dava uma tremenda impressão de solidão.
Lucidez - Os franceses o fizeram mais feliz, ou menos infeliz, tornando-o famoso? Não há meios de saber isso. Mas tudo indica que, contrariamente ao que poderiam sugerir as atitudes de sua persona pública, ele carecia de vaidades terrenas. Tinha dúvidas genuínas sobre a perenidade de sua própria obra e era demasiadamente lúcido para sentir-se cumulado de reconhecimentos oficiais. Provavelmente, só teve prazer lendo, pensando e escrevendo; o resto foi secundário, e ele se prestou a isso graças à boa criação recebida, salvando muito bem as aparências, embora sem muita convicção. Por isso, aquela famosa frase que escreveu (ele foi, entre outras coisas, o melhor escritor de frases de seu tempo) -"Li muitas coisas e vivi poucas" - o retrata de corpo inteiro.
É certo que, apesar de ter passado os últimos 20 anos de sua vida em meio a multidões, Borges nunca chegou a ter consciência cabal da enorme influência de sua obra sobre a literatura de seu tempo, e ainda menos da revolução que a sua maneira de escrever significou para a língua castelhana. O estilo de Borges é inteligente e límpido, de uma concisão matemática, de adjetivos audazes e idéias insólitas, no qual, como não sobra nem falta nada, deparamos, a cada passo, com esse mistério inquietante que é a perfeição.
Contrariando algumas de suas afirmações pessimistas sobre a incapacidade do espanhol para a precisão e o matiz, o estilo que ele criou demonstra que a língua espanhola pode ser tão exata e delicada quanto a francesa, tão flexível e inovadora como a inglesa. O estilo borgiano é um dos milagres estéticos do século que termina, um estilo que desinflou a língua espanhola da elefantíase retórica, da ênfase e da reiteração que a asfixiavam; que a depurou até quase a anorexia e a obrigou a ser luminosamente inteligente. (Para encontrar outro prosista tão inteligente como ele é preciso retroceder até Quevedo, escritor que Borges amou e do qual fez uma preciosa antologia comentada.) Pois bem, na prosa de Borges, por excesso de razão e de idéias, de contenção intelectual, há, também, como na de Quevedo, algo de desumano. É uma prosa que lhe serviu maravilhosamente para escrever seus fulgurantes relatos fantásticos, a ourivesaria de seus ensaios que transmutavam em literatura toda a existência, e seus poemas arrazoados. Mas com sua prosa seria tão impossível escrever novelas como com a de T.S. Elliot, outro extraordinário estilista cujo excesso de inteligência também entremeou sua percepção da vida. Porque a novela é o território da experiência humana totalizada, da vida integral, da imperfeição.
Nela se mesclam o intelecto e as paixões, o conhecimento e o instinto, a sensação e a intuição, a matéria desigual e poliédrica que as idéias, por si sós, não bastam para expressar. Por isso, os grandes novelistas nunca são prosadores perfeitos. Esta é, sem dúvida, a razão da antipatia pertinaz que Borges sentia pelo gênero novelesco, que definiu, em outra de suas frases célebres, como "desvario laborioso e empobrecedor".
As brincadeiras e o humor sempre rondaram seus textos e suas declarações e causaram inúmeros mal-entendidos. Quem carece de senso de humor não entende Borges. Ele foi um esteta provocador, na sua juventude. Embora logo depois tenha-se retratado pelo "equívoco radical" (falava em "equivocación ultraísta") dos anos de sua mocidade, nunca deixou de levar consigo, escondido, o insolente vanguardista que se divertia soltando impertinências. Estranha-me que entre os infinitos livros que foram publicados sobre ele não tenha aparecido nenhum que reúna uma boa coleção das impertinências que disse - como chamar Lorca de "um andaluz profissional", falar do "poeirento Machado", alterar o título de uma novela de Mallea (Todo Leitor Perecerá) e homenagear Sábato dizendo que sua obra "pode ser posta em mãos de qualquer um sem nenhum perigo". Durante a Guerra das Malvinas, disse outra frase, mais arriscada e não menos divertida: "Esta é a disputa dos calvos por um pente." São faíscas de humor que mostram gratidão, que revelam que no interior desse ser "corrompido pela literatura" havia picardia, malícia, vida."
Mario Vargas Llosa - Estado de São Paulo - 19.06.1999
Nossa jovem miséria
"A cidade, com suas fumaças e ruídos de ofícios, nos seguia tão longe nos caminhos. Ó outro mundo, morada abençoada por céu e sombras ! O vento Sul me fez lembrar miseráveis incidentes de infância, meus desesperos de verão, a horrível quantidade de força e de ciência que o destino sempre afastou de mim. Não! não passaremos o verão neste país mesquinho onde nada mais seremos que noivos órfãos. Quero que este braço teso não arraste mais uma imagem querida."
Arthur Rimbaud
Baixe o livro: Arthur Rimbaud - Illuminuras
Fonte: 4Shared
Arthur Rimbaud
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Fonte: 4Shared
domingo, 6 de abril de 2008
Corão como pretexto
O vídeo Fitna the movie de Geert Wilders apresenta uma visão rasa sobre o Islã. O vídeo causou bastante barulho durante a semana e foi bloqueado em vários sites em todo o mundo. Porém, é um vídeo oportunista e que em nenhum momento mostra como a religião é utilizada por grupos específicos para criar a idéia de guerra entre religiões.
"O radicalismo islâmico, obra de intelectuais muçulmanos de formação européia, e que remonta à década de 30, está para o Islã tradicional como a “teologia da libertação” está para o cristianismo. Ele esvazia a tradição islâmica de seu conteúdo espiritual e o transmuta na fórmula ideológica da revolução mundial. (O presidente Bush, que nossos intelectuais semi-analfabetos fingem desprezar como um caipirão, compreendeu perfeitamente esse ponto e por isso recusou com veemência a proposta indecente de dar à guerra contra o terrorismo a conotação de uma cruzada antiislâmica.)"
Olavo de Carvalho O Globo, 22 de março de 2003 - Guerra e império
quinta-feira, 3 de abril de 2008
PRIMEIRO ENSAIO CRÍTICA HISTÓRICA: TEORIA DOS MODOS
"MODOS DA FICÇÃO: PREÂMBULO
No capítulo segundo da Poética, Aristóteles fala das diferenças nas obras de ficção, causadas pelas diferentes posições das personagens. Nalgumas ficções, diz ele, as personagens são melhores do que nós, em outras piores, em outras ainda ficam no mesmo plano. Esta passagem não tem recebido muita atenção por parte dos críticos modernos, pois a importância que Aristóteles atribui à bondade e à maldade parece indicar uma visão, até certo ponto, estreitamente moralística da literatura. As palavras de Aristóteles para bom e mau, contudo, são spoudaios e phaülos, que têm um sentido figurado de "importante" e "sem importância". Nas ficções literárias o enredo consiste em alguém fazer alguma coisa. O alguém, se indivíduo, é o herói, e a alguma coisa que ele faz ou deixa de fazer é o que ele pode fazer ou podia ter feito, no plano dos pressupostos estabelecidos, para ele, pelo autor, e das conseqüentes expectativas da audiência. As ficções, portanto, podem ser classificadas, não moralmente, mas pela força de ação do herói, que pode ser maior do que a nossa, menor ou mais ou menos a mesma. Assim:
1. Se superior em condição tanto aos outros homens como ao meio desses outros homens, o herói é um ser divino, e a estória sobre ele será um mito, no sentido comum de uma estória sobre um deus. Tais estórias ocupam um lugar importante em literatura, mas como regra situam-se fora das categorias literárias normais.
2. Se superior em grau aos outros homens e seu meio, o herói é o típico herói da estória romanesca, cujas ações são maravilhosas, mas que em si mesmo é identificado como um ser humano. O herói da estória romanesca move-se num mundo em que as leis comuns da natureza se suspendem ligeiramente: prodígios de coragem e persistência, inaturais para nós, são naturais para ele, e armas encantadas, animais que falam, gigantes e feiticeiras pavorosos, bem como talismãs de miraculoso poder, não violam regra alguma de probabilidade, uma vez que os pressupostos da estória romanesca foram fixados. Aqui passamos do mito propriamente dito para a lenda, o conto popular, o mãrchen e suas filiações e derivados literários.
3. Se superior em grau aos outros homens, mas não a seu meio natural, o herói é um líder. Tem autoridade, paixões e poderes de expressão muito maiores do que os nossos, mas o que ele faz sujeita-se tanto à crítica social como à ordem da natureza. Esse é o herói do modo imitativo elevado, da maior parte da epopéia e da tragédia, e é fundamentalmente a espécie de herói que Aristóteles tinha em mente.
4. Não sendo superior aos outros homens e seu meio, o herói é um de nós: reagimos a um senso de sua humanidade comum, e pedimos ao poeta os mesmos cânones de probabilidade que notamos em nossa experiência comum. Isso nos dá o herói do modo imitativo baixo, da maior parte da comédia e da ficção realística. "Elevado" e "baixo" não têm conotações de valor comparativo, mas são puramente diagramáticos, como "high" e "low" o são, quando se referem aos críticos bíblicos ou aos anglicanos. Neste plano, a dificuldade de manter a palavra "herói", que tem um sentido mais limitado nos modos precedentes, ocasionalmente impressiona algum autor. Assim Thackeray sente-se obrigado a chamar Vanity Fair um romance sem herói.
5. Se inferior em poder ou inteligência a nós mesmos, de modo que temos a sensação de olhar de cima uma cena de escravidão, malogro ou absurdez, o herói pertence ao modo irônico. Isso é verdade mesmo quando o leitor sente que está ou podia estar na mesma situação, pois a situação está sendo julgada com maior independência.
Examinando esse rol, podemos ver que a ficção européia, durante os últimos quinze séculos, desceu constantemente seu centro de gravidade, lista abaixo. No período da literatura pré-medieval, prende-se ela estreitamente aos mitos cristãos, clássicos tardios, célticos ou teutônicos. Se o cristianismo não tivesse sido tanto um mito importado como um devorador de rivais, essa fase da literatura ocidental seria mais fácil de isolar. Na forma em que a possuímos, sua maior parte já passou para a categoria da estória romanesca. A estória romanesca divide-se em duas formas principais: uma forma secular, que trata da cavalaria e do paladinismo, e uma forma religiosa, devotada às lendas de santos. Ambas apóiam-se pesadamente em miraculosas violações da lei natural, para beneficiar-se como estórias. As ficções romanescas dominam a literatura até o culto do príncipe e do cortesão, no Renascimento, trazer ao primeiro plano o modo imitativo elevado. As características desse modo são clarissimamente vistas nas espécies do drama, particularmente na tragédia, e na epopéia nacional. Depois, um novo tipo de cultura da classe média introduz o imitativo baixo, que, na literatura inglesa, predomina do tempo de Defoe até o fim do século XIX. Na literatura francesa, começa e termina cerca de cinqüenta anos antes. Durante os últimos cem anos, a ficção mais séria tendeu crescentemente a ser do modo irônico.
Algo da mesma progressão pode ser também acompanhado na literatura clássica, de forma grandemente reduzida. Onde uma religião é mitológica e politeísta, onde há corporificações promíscuas, heróis deificados e reis de descendência divina, onde o mesmo adjetivo "divino" pode ser aplicado a Zeus ou a Aquiles, dificilmente se poderá separar completamente as faixas mítica, romanesca e imitativa elevada. Onde a religião é teológica e acentua uma divisão pronunciada entre as naturezas divina e humana, o romanesco se isola mais claramente, como se vê nas lendas da cavalaria e da santidade cristãs, nas Mil e Uma Noites muçulmanas, nas estórias dos juízes e dos profetas taumaturgos de Israel. Semelhantemente, a incapacidade do mundo clássico, de livrar-se do líder divino, em seu período tardio, tem muito em comum com o desenvolvimento imaturo dos modos imitativo baixo e irônico, que mal se iniciaram com a sátira romana. Ao mesmo tempo, a instituição do modo imitativo elevado, o desenvolvimento de uma tradição literária com o sentido coerente, dentro dela, de uma ordem da natureza, é uma das grandes façanhas da civilização grega. A ficção oriental, tanto que eu saiba, não se afasta muito das fórmulas mítica e romanesca.
Cuidaremos aqui principalmente das cinco épocas da literatura ocidental, como atrás demarcadas, usando paralelos clássicos apenas incidentalmente. Em cada modo será útil uma distinção entre a literatura ingênua e a exigente. A palavra "ingênuo", tomo-a do ensaio de Schiller sobre a poesia ingênua e sentimental: quero dizer com ela, contudo, primitivo ou popular, enquanto em Schiller soa um tanto mais como clássico. A palavra "sentimental" também significa algo mais em inglês, mas não temos bastantes termos críticos genuínos para prescindir dela. Com aspas, portanto, "sentimental" se refere a uma recriação posterior de um modo mais antigo. Assim o Romantismo é uma forma "sentimental" do romanesco, e o conto de fadas, na maior parte, uma forma "sentimental" do conto popular. Há também uma distinção geral entre ficções nas quais o herói se isola de sua sociedade, e ficções nas quais ele se incorpora nela. Esta distinção é exprimida pelas palavras "trágico" e "cômico", quando se referem a aspectos do enredo em geral e não simplesmente a formas de drama."
FRYE, Northrop. Anatomia da Crítica.
No capítulo segundo da Poética, Aristóteles fala das diferenças nas obras de ficção, causadas pelas diferentes posições das personagens. Nalgumas ficções, diz ele, as personagens são melhores do que nós, em outras piores, em outras ainda ficam no mesmo plano. Esta passagem não tem recebido muita atenção por parte dos críticos modernos, pois a importância que Aristóteles atribui à bondade e à maldade parece indicar uma visão, até certo ponto, estreitamente moralística da literatura. As palavras de Aristóteles para bom e mau, contudo, são spoudaios e phaülos, que têm um sentido figurado de "importante" e "sem importância". Nas ficções literárias o enredo consiste em alguém fazer alguma coisa. O alguém, se indivíduo, é o herói, e a alguma coisa que ele faz ou deixa de fazer é o que ele pode fazer ou podia ter feito, no plano dos pressupostos estabelecidos, para ele, pelo autor, e das conseqüentes expectativas da audiência. As ficções, portanto, podem ser classificadas, não moralmente, mas pela força de ação do herói, que pode ser maior do que a nossa, menor ou mais ou menos a mesma. Assim:
1. Se superior em condição tanto aos outros homens como ao meio desses outros homens, o herói é um ser divino, e a estória sobre ele será um mito, no sentido comum de uma estória sobre um deus. Tais estórias ocupam um lugar importante em literatura, mas como regra situam-se fora das categorias literárias normais.
2. Se superior em grau aos outros homens e seu meio, o herói é o típico herói da estória romanesca, cujas ações são maravilhosas, mas que em si mesmo é identificado como um ser humano. O herói da estória romanesca move-se num mundo em que as leis comuns da natureza se suspendem ligeiramente: prodígios de coragem e persistência, inaturais para nós, são naturais para ele, e armas encantadas, animais que falam, gigantes e feiticeiras pavorosos, bem como talismãs de miraculoso poder, não violam regra alguma de probabilidade, uma vez que os pressupostos da estória romanesca foram fixados. Aqui passamos do mito propriamente dito para a lenda, o conto popular, o mãrchen e suas filiações e derivados literários.
3. Se superior em grau aos outros homens, mas não a seu meio natural, o herói é um líder. Tem autoridade, paixões e poderes de expressão muito maiores do que os nossos, mas o que ele faz sujeita-se tanto à crítica social como à ordem da natureza. Esse é o herói do modo imitativo elevado, da maior parte da epopéia e da tragédia, e é fundamentalmente a espécie de herói que Aristóteles tinha em mente.
4. Não sendo superior aos outros homens e seu meio, o herói é um de nós: reagimos a um senso de sua humanidade comum, e pedimos ao poeta os mesmos cânones de probabilidade que notamos em nossa experiência comum. Isso nos dá o herói do modo imitativo baixo, da maior parte da comédia e da ficção realística. "Elevado" e "baixo" não têm conotações de valor comparativo, mas são puramente diagramáticos, como "high" e "low" o são, quando se referem aos críticos bíblicos ou aos anglicanos. Neste plano, a dificuldade de manter a palavra "herói", que tem um sentido mais limitado nos modos precedentes, ocasionalmente impressiona algum autor. Assim Thackeray sente-se obrigado a chamar Vanity Fair um romance sem herói.
5. Se inferior em poder ou inteligência a nós mesmos, de modo que temos a sensação de olhar de cima uma cena de escravidão, malogro ou absurdez, o herói pertence ao modo irônico. Isso é verdade mesmo quando o leitor sente que está ou podia estar na mesma situação, pois a situação está sendo julgada com maior independência.
Examinando esse rol, podemos ver que a ficção européia, durante os últimos quinze séculos, desceu constantemente seu centro de gravidade, lista abaixo. No período da literatura pré-medieval, prende-se ela estreitamente aos mitos cristãos, clássicos tardios, célticos ou teutônicos. Se o cristianismo não tivesse sido tanto um mito importado como um devorador de rivais, essa fase da literatura ocidental seria mais fácil de isolar. Na forma em que a possuímos, sua maior parte já passou para a categoria da estória romanesca. A estória romanesca divide-se em duas formas principais: uma forma secular, que trata da cavalaria e do paladinismo, e uma forma religiosa, devotada às lendas de santos. Ambas apóiam-se pesadamente em miraculosas violações da lei natural, para beneficiar-se como estórias. As ficções romanescas dominam a literatura até o culto do príncipe e do cortesão, no Renascimento, trazer ao primeiro plano o modo imitativo elevado. As características desse modo são clarissimamente vistas nas espécies do drama, particularmente na tragédia, e na epopéia nacional. Depois, um novo tipo de cultura da classe média introduz o imitativo baixo, que, na literatura inglesa, predomina do tempo de Defoe até o fim do século XIX. Na literatura francesa, começa e termina cerca de cinqüenta anos antes. Durante os últimos cem anos, a ficção mais séria tendeu crescentemente a ser do modo irônico.
Algo da mesma progressão pode ser também acompanhado na literatura clássica, de forma grandemente reduzida. Onde uma religião é mitológica e politeísta, onde há corporificações promíscuas, heróis deificados e reis de descendência divina, onde o mesmo adjetivo "divino" pode ser aplicado a Zeus ou a Aquiles, dificilmente se poderá separar completamente as faixas mítica, romanesca e imitativa elevada. Onde a religião é teológica e acentua uma divisão pronunciada entre as naturezas divina e humana, o romanesco se isola mais claramente, como se vê nas lendas da cavalaria e da santidade cristãs, nas Mil e Uma Noites muçulmanas, nas estórias dos juízes e dos profetas taumaturgos de Israel. Semelhantemente, a incapacidade do mundo clássico, de livrar-se do líder divino, em seu período tardio, tem muito em comum com o desenvolvimento imaturo dos modos imitativo baixo e irônico, que mal se iniciaram com a sátira romana. Ao mesmo tempo, a instituição do modo imitativo elevado, o desenvolvimento de uma tradição literária com o sentido coerente, dentro dela, de uma ordem da natureza, é uma das grandes façanhas da civilização grega. A ficção oriental, tanto que eu saiba, não se afasta muito das fórmulas mítica e romanesca.
Cuidaremos aqui principalmente das cinco épocas da literatura ocidental, como atrás demarcadas, usando paralelos clássicos apenas incidentalmente. Em cada modo será útil uma distinção entre a literatura ingênua e a exigente. A palavra "ingênuo", tomo-a do ensaio de Schiller sobre a poesia ingênua e sentimental: quero dizer com ela, contudo, primitivo ou popular, enquanto em Schiller soa um tanto mais como clássico. A palavra "sentimental" também significa algo mais em inglês, mas não temos bastantes termos críticos genuínos para prescindir dela. Com aspas, portanto, "sentimental" se refere a uma recriação posterior de um modo mais antigo. Assim o Romantismo é uma forma "sentimental" do romanesco, e o conto de fadas, na maior parte, uma forma "sentimental" do conto popular. Há também uma distinção geral entre ficções nas quais o herói se isola de sua sociedade, e ficções nas quais ele se incorpora nela. Esta distinção é exprimida pelas palavras "trágico" e "cômico", quando se referem a aspectos do enredo em geral e não simplesmente a formas de drama."
FRYE, Northrop. Anatomia da Crítica.
sábado, 29 de março de 2008
COMO SURGEM OS "ISMOS..."
"Os ismos são sempre formas viciosas. O excesso de fidelidade ao objeto cria o realismo; à impressão, o impressionismo; à expressão, o expressionismo.
Mas as formas viciosos conhecem graus; são mais ou menos viciosas
Como atravessamos no Ocidente uma fase histórica que se caracteriza pelas especializações, o espírito do especialista, que é sempre um espírito abstrato, penetrou na própria arte que conhece especializações, que se sectariza, que se separa.
Podemos distinguir três graus de sectarização, de particularismo, de especialismo.
1) Quando se dá mais valor, isto é, quando se dá a ênfase de valor a um valor, que predomina sobre os outros, que continuam, no entanto, tendo presença atual.
Por exemplo, no realismo, há presença de um valor objetivo mais acentuado que os outros, que continuam presentes na obra de arte. No simbolismo, o valor simbólico é predominante, mas outros continuam ainda presentes.
2) Exageração do valor atualizado, ao qual se dá ênfase, com enfraquecimento crescente dos outros valores e já com ausência de alguns invariantes.
Temos o exemplo do expressionismo, que valoriza exageradamente a expressão, e reduz outros valores ao mínimo e não oferece até a presença de muitos outros.
3) Exageração máxima do valor atualizado (ênfase total), com ausência de quase todos os outros valores. Ex. no abstracionismo, que afasta outros valores para acentuar exageradamente um ou alguns.
É natural que os cultores dessas fases justifiquem com palavras a sua atitude. Uma revisão do pensamento humano nos mostra que, com palavras, a inteligência humana é capaz de justificar todas as deformações. Basta que examinemos o pensamento político para que vejamos com que clareza se verifica a deformação dos raciocínios para servirem aos interesses deste ou daquele grupo, desta ou daquela atitude. Na arte se verifica o mesmo.
Vemos, por exemplo, belas exposições teóricas, argumentos eloqüentes para justificar uma atitude artística. Quando em face dos fatos, permanecemos espantados. É que os frutos não correspondem à árvore.
Muitas realizações artísticas são meros partos da montanha : ridículos ratos...
Não seria possível aqui mostrar as discussões que se dão entre as diversas correntes, escolas e atitudes artísticas, pois ultrapassa os limites desta obra. No entanto, quase todas se consideram a verdadeira e fora das quais não há salvação, caindo num dogmatismo ridículo e verbalista.
Pretendemos apenas dar ao leitor uma capacidade criteriosa de apreciação, que o capacite a penetrar com equilíbrio na contemplação de uma obra de arte, e que o impeça de cair nos exageros tão comuns, próprios de nossa época de confusão, e que desaparecerão com ela."
Mário Ferreira dos Santos - Convite à estética
Mas as formas viciosos conhecem graus; são mais ou menos viciosas
Como atravessamos no Ocidente uma fase histórica que se caracteriza pelas especializações, o espírito do especialista, que é sempre um espírito abstrato, penetrou na própria arte que conhece especializações, que se sectariza, que se separa.
Podemos distinguir três graus de sectarização, de particularismo, de especialismo.
1) Quando se dá mais valor, isto é, quando se dá a ênfase de valor a um valor, que predomina sobre os outros, que continuam, no entanto, tendo presença atual.
Por exemplo, no realismo, há presença de um valor objetivo mais acentuado que os outros, que continuam presentes na obra de arte. No simbolismo, o valor simbólico é predominante, mas outros continuam ainda presentes.
2) Exageração do valor atualizado, ao qual se dá ênfase, com enfraquecimento crescente dos outros valores e já com ausência de alguns invariantes.
Temos o exemplo do expressionismo, que valoriza exageradamente a expressão, e reduz outros valores ao mínimo e não oferece até a presença de muitos outros.
3) Exageração máxima do valor atualizado (ênfase total), com ausência de quase todos os outros valores. Ex. no abstracionismo, que afasta outros valores para acentuar exageradamente um ou alguns.
É natural que os cultores dessas fases justifiquem com palavras a sua atitude. Uma revisão do pensamento humano nos mostra que, com palavras, a inteligência humana é capaz de justificar todas as deformações. Basta que examinemos o pensamento político para que vejamos com que clareza se verifica a deformação dos raciocínios para servirem aos interesses deste ou daquele grupo, desta ou daquela atitude. Na arte se verifica o mesmo.
Vemos, por exemplo, belas exposições teóricas, argumentos eloqüentes para justificar uma atitude artística. Quando em face dos fatos, permanecemos espantados. É que os frutos não correspondem à árvore.
Muitas realizações artísticas são meros partos da montanha : ridículos ratos...
Não seria possível aqui mostrar as discussões que se dão entre as diversas correntes, escolas e atitudes artísticas, pois ultrapassa os limites desta obra. No entanto, quase todas se consideram a verdadeira e fora das quais não há salvação, caindo num dogmatismo ridículo e verbalista.
Pretendemos apenas dar ao leitor uma capacidade criteriosa de apreciação, que o capacite a penetrar com equilíbrio na contemplação de uma obra de arte, e que o impeça de cair nos exageros tão comuns, próprios de nossa época de confusão, e que desaparecerão com ela."
Mário Ferreira dos Santos - Convite à estética
segunda-feira, 24 de março de 2008
Os admiradores corrompem
"- O brasileiro não está preparado para ser "o maior do mundo" em coisa nenhuma. Ser "o maior do mundo" em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade."
"Outro dia ouvi um pai dizer, radiante: — "Eu vi pílulas anticoncepcionais na bolsa da minha filha de doze anos!". Estava satisfeito, com o olho rútilo. Veja você que paspalhão!"
"- A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem."
Baixe: Coletânea Nelson Rodrigues
Fonte: 4Shared
Conteúdo:
O beijo no asfalto / Lua de Mel / Misericórdia
Mudança / Novo parto / O amor imortal
Frases / O beijo / O canalha
Obsessão / A festa / O medo
O decote / O Pai / A esposa
Pecadora / A filha / O defunto
O desgraçado / O idilio / O Pediatra
O velho / O vestido de noiva / Os noivos
Problema matrimonial / Sofrimento / Teoria
Um dia sem assaltos / O inocente / O ladrão
"Outro dia ouvi um pai dizer, radiante: — "Eu vi pílulas anticoncepcionais na bolsa da minha filha de doze anos!". Estava satisfeito, com o olho rútilo. Veja você que paspalhão!"
"- A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem."
Baixe: Coletânea Nelson Rodrigues
Fonte: 4Shared
Conteúdo:
O beijo no asfalto / Lua de Mel / Misericórdia
Mudança / Novo parto / O amor imortal
Frases / O beijo / O canalha
Obsessão / A festa / O medo
O decote / O Pai / A esposa
Pecadora / A filha / O defunto
O desgraçado / O idilio / O Pediatra
O velho / O vestido de noiva / Os noivos
Problema matrimonial / Sofrimento / Teoria
Um dia sem assaltos / O inocente / O ladrão
quarta-feira, 19 de março de 2008
CACA DE ELEFANTE
Por MARIO VARGAS LLOSA
En Inglaterra, aunque usted no lo crea, todavía son posibles los escándalos artísticos. La muy respetable Royal Academy of the Arts, institución privada que se fundó en 1768 y que, en su galería de Mayfair suele presentar retrospectivas de grandes clásicos, o de modernos sacramentados por la crítica, protagoniza en estos días uno que hace las delicias de la prensa y de los filisteos que no pierden su tiempo en exposiciones. Pero, a ésta, gracias al escándalo, irán en masa, permitiendo de este modo -no hay bien que por mal no venga- que la pobre Royal Academy supere por algún tiempito más sus crónicos quebrantos económicos.
¿Fue con este objetivo en mente que organizó la muestra Sensación, con obras de jóvenes pintores y escultores británicos de la colección del publicista Charles Saatchi? Si fue así, bravo, éxito total. Es seguro que las masas acudirán a contemplar, aunque sea tapándose las narices, las obras del joven Chris Ofili, de 29 años, alumno del Royal College of Art, estrella de su generación según un crítico, que monta sus obras sobre bases de caca de elefante solidificada. No es por esta particularidad, sin embargo, por la que Chris Ofili ha llegado a los titulares de los tabloides, sino por su blasfema pieza Santa Virgen María, en la que la madre de Jesús aparece rodeada de fotos pornográficas.
No es este cuadro, sin embargo, el que ha generado más comentarios. El laurel se lo lleva el retrato de una famosa infanticida, Myra Hindley, que el astuto artista ha compuesto mediante la impostación de manos pueriles. Otra originalidad de la muestra resulta de la colaboración de Jack y Dinos Chapman; la obra se llama Aceleración Zygótica y, ¿cómo indica su título?, despliega a un abanico de niños andróginos cuyas caras son, en verdad, falos erectos. Ni qué decir que la infamante acusación de pedofilia ha sido proferida contra los inspirados autores.
Si la exposición es verdaderamente representativa de lo que estimula y preocupa a los jóvenes artistas en Gran Bretaña, hay que concluir que la obsesión genital encabeza su tabla de prioridades. Por ejemplo, Mat Collishaw ha perpetrado un óleo describiendo, en un primer plano gigante, el impacto de una bala en un cerebro humano; pero lo que el espectador ve, en realidad, es una vagina y una vulva. ¿Y qué decir del audaz ensamblador que ha atiborrado sus urnas de cristal con huesos humanos y, por lo visto, hasta residuos de un feto?
Lo notable del asunto no es que productos de esta catadura lleguen a deslizarse en las salas de exposiciones más ilustres, sino que haya gentes que todavía se sorprendan por ello. En lo que a mí se refiere, yo advertí que algo andaba podrido en el mundo del arte hace exactamente treinta y siete años, en París, cuando un buen amigo, escultor cubano, harto de que las galerías se negaran a exponer las espléndidas maderas que yo le veía trabajar de sol a sol en su chambre de bonne, decidió que el camino más seguro hacia el éxito en materia de arte, era llamar la atención. Y, dicho y hecho, produjo unas `esculturas' que consistían en pedazos de carne podrida, encerrados en cajas de vidrio, con moscas vivas revoloteando en torno. Unos parlantes aseguraban que el zumbido de las moscas resonara en todo el local como una amenaza terrífica. Triunfó, en efecto, pues hasta una estrella de la Radio-Televisión Francesa, Jean-Marie Drot, le dedicó un programa.
La más inesperada y truculenta consecuencia de la evolución del arte moderno y la miríada de experimentos que lo nutren es que ya no existe criterio objetivo alguno que permita calificar o descalificar una obra de arte, ni situarla dentro de una jerarquía, posibilidad que se fue eclipsando a partir de la revolución cubista y desapareció del todo con la no figuración. En la actualidad todo puede ser arte y nada lo es, según el soberano capricho de los espectadores, elevados, en razón del naufragio de todos los patrones estéticos, al nivel de árbitros y jueces que antaño detentaban sólo ciertos críticos.
El único criterio más o menos generalizado para las obras de arte en la actualidad no tiene nada de artístico; es el impuesto por un mercado intervenido y manipulado por mafias de galeristas y marchands y que de ninguna manera revela gustos y sensibilidades estéticas, sólo operaciones publicitarias, de relaciones públicas y en muchos casos simples atracos.
Hace más o menos un mes visité, por cuarta vez en mi vida (pero ésta será la última), la Bienal de Venecia. Estuve allí un par de horas, creo, y al salir advertí que a ni uno solo de todos los cuadros, esculturas y objetos que había visto, en la veintena de pabellones que recorrí, le hubiera abierto las puertas de mi casa, aunque me lo suplicaran de rodillas.
El espectáculo era tan aburrido, farsesco y desolador como la exposición de la Royal Academy, pero multiplicado por cien y con decenas de países representados en la patética mojiganga, donde, bajo la coartada de la modernidad, el experimento, la búsqueda de "nuevos medios de expresión", en verdad se documentaba la terrible orfandad de ideas, de cultura artística, de destreza artesanal, de autenticidad e integridad que caracteriza a buena parte del quehacer plástico en nuestros días.
Desde luego, hay excepciones. Pero, no es nada fácil dectectarlas, porque, a diferencia de lo que ocurre con la literatura, campo en el que todavía no se han desmoronado del todo los códigos estéticos que permiten identificar la originalidad, la novedad, el talento, la desenvoltura formal o la ramplonería y el fraude y donde existen aún -¿por cuánto tiempo más?- casas editoriales que mantienen unos criterios coherentes y de alto nivel, en el caso de la pintura es el sistema el que está podrido hasta los tuétanos, y muchas veces los artistas más dotados y auténticos no encuentran el camino del público por ser insobornables o simplemente ineptos para lidiar en la jungla deshonesta donde se deciden los éxitos y fracasos artísticos.
A pocas cuadras de la Royal Academy, en Trafalgar Square, en el pabellón moderno de la National Gallery, hay una pequeña exposición que debería ser obligatoria para todos los jóvenes de nuestros días que aspiran a pintar, esculpir, componer, escribir o filmar. Se llama Seurat y los bañistas y está dedicada al cuadro Los bañistas de Asniéres, uno de los dos más famosos que aquel artista pintó (el otro es Un domingo en La Grande Jatte), entre 1883 y 1884.
Aunque dedicó unos dos años de su vida a aquella extraordinaria tela, en los que, como se advierte en la muestra, hizo innumerables bocetos y estudios del conjunto y los detalles del cuadro, en verdad la exposición prueba que toda la vida de Seurat fue una lenta, terca, insomne, fanática preparación para llegar a alcanzar aquella perfección formal que plasmó en esas dos obras maestras.
En Los bañistas de Asniéres esa perfección nos maravilla -y, en cierto modo, abruma- en la quietud de las figuras que se asolean, bañan en el río, o contemplan el paisaje, bajo aquella luz cenital que parece estar disolviendo en brillos de espejismo el remoto puente, la locomotora que lo cruza y las chimeneas de Passy. Esa serenidad, ese equilibrio, esa armonía secreta entre el hombre y el agua, la nube y el velero, los atuendos y los remos, son, sí, la manifestación de un dominio absoluto del instrumento, del trazo de la línea y la administración de los colores, conquistado a través del esfuerzo; pero, todo ello denota también una concepción altísima, nobilísima, del arte de pintar, como fuente autosuficiente de placer y como realización del espíritu, que encuentra en su propio hacer la mejor recompensa, una vocación que en su ejercicio se justifica y ensalza. Cuando terminó este cuadro, Seurat tenía apenas 24 años, es decir, la edad promedio de esos jóvenes estridentes de la muestra Sensación de la Royal Academy; sólo vivió seis más. Su obra, brevísima, es uno de los faros artísticos del siglo XIX.
La admiración que ella nos despierta no deriva sólo de la pericia técnica, la minuciosa artesanía, que en ella se refleja. Anterior a todo eso y como sosteniéndolo y potenciándolo, hay una actitud, una ética, una manera de asumir la vocación en función de un ideal, sin las cuales es imposible que un creador llegue a romper los límites de una tradición y los extienda, como hizo Seurat. Esa manera de `elegirse artista' parece haberse perdido para siempre entre los jóvenes impacientes y cínicos de hoy que aspiran a tocar la gloria a como dé lugar, aunque sea empinándose en una montaña de mierda paquidérmica.
__________
Mario Vargas Llosa, 1997.
Derechos reservados por el autor
Fonte: Latin Art Museum
En Inglaterra, aunque usted no lo crea, todavía son posibles los escándalos artísticos. La muy respetable Royal Academy of the Arts, institución privada que se fundó en 1768 y que, en su galería de Mayfair suele presentar retrospectivas de grandes clásicos, o de modernos sacramentados por la crítica, protagoniza en estos días uno que hace las delicias de la prensa y de los filisteos que no pierden su tiempo en exposiciones. Pero, a ésta, gracias al escándalo, irán en masa, permitiendo de este modo -no hay bien que por mal no venga- que la pobre Royal Academy supere por algún tiempito más sus crónicos quebrantos económicos.
¿Fue con este objetivo en mente que organizó la muestra Sensación, con obras de jóvenes pintores y escultores británicos de la colección del publicista Charles Saatchi? Si fue así, bravo, éxito total. Es seguro que las masas acudirán a contemplar, aunque sea tapándose las narices, las obras del joven Chris Ofili, de 29 años, alumno del Royal College of Art, estrella de su generación según un crítico, que monta sus obras sobre bases de caca de elefante solidificada. No es por esta particularidad, sin embargo, por la que Chris Ofili ha llegado a los titulares de los tabloides, sino por su blasfema pieza Santa Virgen María, en la que la madre de Jesús aparece rodeada de fotos pornográficas.
No es este cuadro, sin embargo, el que ha generado más comentarios. El laurel se lo lleva el retrato de una famosa infanticida, Myra Hindley, que el astuto artista ha compuesto mediante la impostación de manos pueriles. Otra originalidad de la muestra resulta de la colaboración de Jack y Dinos Chapman; la obra se llama Aceleración Zygótica y, ¿cómo indica su título?, despliega a un abanico de niños andróginos cuyas caras son, en verdad, falos erectos. Ni qué decir que la infamante acusación de pedofilia ha sido proferida contra los inspirados autores.
Si la exposición es verdaderamente representativa de lo que estimula y preocupa a los jóvenes artistas en Gran Bretaña, hay que concluir que la obsesión genital encabeza su tabla de prioridades. Por ejemplo, Mat Collishaw ha perpetrado un óleo describiendo, en un primer plano gigante, el impacto de una bala en un cerebro humano; pero lo que el espectador ve, en realidad, es una vagina y una vulva. ¿Y qué decir del audaz ensamblador que ha atiborrado sus urnas de cristal con huesos humanos y, por lo visto, hasta residuos de un feto?
Lo notable del asunto no es que productos de esta catadura lleguen a deslizarse en las salas de exposiciones más ilustres, sino que haya gentes que todavía se sorprendan por ello. En lo que a mí se refiere, yo advertí que algo andaba podrido en el mundo del arte hace exactamente treinta y siete años, en París, cuando un buen amigo, escultor cubano, harto de que las galerías se negaran a exponer las espléndidas maderas que yo le veía trabajar de sol a sol en su chambre de bonne, decidió que el camino más seguro hacia el éxito en materia de arte, era llamar la atención. Y, dicho y hecho, produjo unas `esculturas' que consistían en pedazos de carne podrida, encerrados en cajas de vidrio, con moscas vivas revoloteando en torno. Unos parlantes aseguraban que el zumbido de las moscas resonara en todo el local como una amenaza terrífica. Triunfó, en efecto, pues hasta una estrella de la Radio-Televisión Francesa, Jean-Marie Drot, le dedicó un programa.
La más inesperada y truculenta consecuencia de la evolución del arte moderno y la miríada de experimentos que lo nutren es que ya no existe criterio objetivo alguno que permita calificar o descalificar una obra de arte, ni situarla dentro de una jerarquía, posibilidad que se fue eclipsando a partir de la revolución cubista y desapareció del todo con la no figuración. En la actualidad todo puede ser arte y nada lo es, según el soberano capricho de los espectadores, elevados, en razón del naufragio de todos los patrones estéticos, al nivel de árbitros y jueces que antaño detentaban sólo ciertos críticos.
El único criterio más o menos generalizado para las obras de arte en la actualidad no tiene nada de artístico; es el impuesto por un mercado intervenido y manipulado por mafias de galeristas y marchands y que de ninguna manera revela gustos y sensibilidades estéticas, sólo operaciones publicitarias, de relaciones públicas y en muchos casos simples atracos.
Hace más o menos un mes visité, por cuarta vez en mi vida (pero ésta será la última), la Bienal de Venecia. Estuve allí un par de horas, creo, y al salir advertí que a ni uno solo de todos los cuadros, esculturas y objetos que había visto, en la veintena de pabellones que recorrí, le hubiera abierto las puertas de mi casa, aunque me lo suplicaran de rodillas.
El espectáculo era tan aburrido, farsesco y desolador como la exposición de la Royal Academy, pero multiplicado por cien y con decenas de países representados en la patética mojiganga, donde, bajo la coartada de la modernidad, el experimento, la búsqueda de "nuevos medios de expresión", en verdad se documentaba la terrible orfandad de ideas, de cultura artística, de destreza artesanal, de autenticidad e integridad que caracteriza a buena parte del quehacer plástico en nuestros días.
Desde luego, hay excepciones. Pero, no es nada fácil dectectarlas, porque, a diferencia de lo que ocurre con la literatura, campo en el que todavía no se han desmoronado del todo los códigos estéticos que permiten identificar la originalidad, la novedad, el talento, la desenvoltura formal o la ramplonería y el fraude y donde existen aún -¿por cuánto tiempo más?- casas editoriales que mantienen unos criterios coherentes y de alto nivel, en el caso de la pintura es el sistema el que está podrido hasta los tuétanos, y muchas veces los artistas más dotados y auténticos no encuentran el camino del público por ser insobornables o simplemente ineptos para lidiar en la jungla deshonesta donde se deciden los éxitos y fracasos artísticos.
A pocas cuadras de la Royal Academy, en Trafalgar Square, en el pabellón moderno de la National Gallery, hay una pequeña exposición que debería ser obligatoria para todos los jóvenes de nuestros días que aspiran a pintar, esculpir, componer, escribir o filmar. Se llama Seurat y los bañistas y está dedicada al cuadro Los bañistas de Asniéres, uno de los dos más famosos que aquel artista pintó (el otro es Un domingo en La Grande Jatte), entre 1883 y 1884.
Aunque dedicó unos dos años de su vida a aquella extraordinaria tela, en los que, como se advierte en la muestra, hizo innumerables bocetos y estudios del conjunto y los detalles del cuadro, en verdad la exposición prueba que toda la vida de Seurat fue una lenta, terca, insomne, fanática preparación para llegar a alcanzar aquella perfección formal que plasmó en esas dos obras maestras.
En Los bañistas de Asniéres esa perfección nos maravilla -y, en cierto modo, abruma- en la quietud de las figuras que se asolean, bañan en el río, o contemplan el paisaje, bajo aquella luz cenital que parece estar disolviendo en brillos de espejismo el remoto puente, la locomotora que lo cruza y las chimeneas de Passy. Esa serenidad, ese equilibrio, esa armonía secreta entre el hombre y el agua, la nube y el velero, los atuendos y los remos, son, sí, la manifestación de un dominio absoluto del instrumento, del trazo de la línea y la administración de los colores, conquistado a través del esfuerzo; pero, todo ello denota también una concepción altísima, nobilísima, del arte de pintar, como fuente autosuficiente de placer y como realización del espíritu, que encuentra en su propio hacer la mejor recompensa, una vocación que en su ejercicio se justifica y ensalza. Cuando terminó este cuadro, Seurat tenía apenas 24 años, es decir, la edad promedio de esos jóvenes estridentes de la muestra Sensación de la Royal Academy; sólo vivió seis más. Su obra, brevísima, es uno de los faros artísticos del siglo XIX.
La admiración que ella nos despierta no deriva sólo de la pericia técnica, la minuciosa artesanía, que en ella se refleja. Anterior a todo eso y como sosteniéndolo y potenciándolo, hay una actitud, una ética, una manera de asumir la vocación en función de un ideal, sin las cuales es imposible que un creador llegue a romper los límites de una tradición y los extienda, como hizo Seurat. Esa manera de `elegirse artista' parece haberse perdido para siempre entre los jóvenes impacientes y cínicos de hoy que aspiran a tocar la gloria a como dé lugar, aunque sea empinándose en una montaña de mierda paquidérmica.
__________
Mario Vargas Llosa, 1997.
Derechos reservados por el autor
Fonte: Latin Art Museum
domingo, 16 de março de 2008
Barbacena - 1837
"É incomparável o número de moças galhofeiras que povoam os ranchos desta vila, sitiam, combatem, vencem e despojam os desgraçados tropeiros, arreadores, tocadores e os mesmos passageiros. Esta milícia de Vênus consta, pela maior parte de raparigas pardas e pretas, que durante a noite, em completa bacanália, não saem dos infernais batuques com que divertem e limpam a algibeira dos desgraçados a quem pescaram."
Fonte: Museu Universal, Jornal das Famílias Brasileiras, Rio de Janeiro Vol I,nº 1, 15 de julho de 1837, p 74.
O cerco
"Estamos todos cercados;
e o silêncio do sonho
é nossa arma sagrada:
as pistolas e as línguas de aço
dos inimigos brilham ao sol,
e eles gritam tanto
sobre as velhas colinas,
atrás das cegas estantes,
que sabemos de tudo;
e colados ficamos,
amamos e permanecemos."
Alberto da Cunha Melo - Poemas do livro O Cão de Olhos Amarelos & outros poemas inéditos. A Girafa Editora, 2006.
Fonte: Alberto da Cunha Melo
e o silêncio do sonho
é nossa arma sagrada:
as pistolas e as línguas de aço
dos inimigos brilham ao sol,
e eles gritam tanto
sobre as velhas colinas,
atrás das cegas estantes,
que sabemos de tudo;
e colados ficamos,
amamos e permanecemos."
Alberto da Cunha Melo - Poemas do livro O Cão de Olhos Amarelos & outros poemas inéditos. A Girafa Editora, 2006.
Fonte: Alberto da Cunha Melo
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
Livro dos sonhos
"Quando o corpo repousa em plena digestão e não necessita de nada até o momento de despertar, nossa alma se eleva até sua verdadeira pátria, que é o céu. Ali recebe a participação de sua primitiva origem divina e na contemplação daquela infinita e intelectual esfera (cujo centro se encontra em algum lugar do universo, ponto central que reside em Deus segundo a doutrina de Hermes Trismegisto, e a qual nada altera e na qual nada ocorre, pois todos os tempos se desenvolvem no presente) capta não apenas os acontecimentos das camadas inferiores, mas também os futuros, transmitindo-os ao seu corpo através de seus órgãos sensíveis. Dada à fragilidade e à imperfeição do corpo que os captou, não pode transmiti-los fielmente. Cabe aos intérpretes e vaticinadores de sonhos, os gregos, aprofundar-se em tão importante matéria. Heráclito dizia que a interpretação dos sonhos não é para ficar oculta, pois nos dá o significado e normas gerais das coisas do futuro, para nossa sorte ou desgraça. Anfiarao estabeleceu que não se deve beber durante três dias nem comer durante um antes dos sonhos. Estômago cheio, má espiritualidade."
Baixe o livro: Livro dos sonhos - Jorge Luis Borges
Fonte: PDL
Baixe o livro: Livro dos sonhos - Jorge Luis Borges
Fonte: PDL
terça-feira, 19 de fevereiro de 2008
Comentário pitoresco
"'Meu dever elementar não é aferrar-me a cargos, nem muito menos obstruir o passo a pessoas mais jovens, senão aportar experiências e idéias cujo modesto valor provem da época excepcional em que vivo."
Fidel Castro - Carta de renúncia
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008
As armadilhas da semântica
Roberto Campos
27/02/2000
"George Orwell, o escritor inglês que nos deu algumas das obras que melhor iluminaram o ambiente dos difíceis anos que duraram da Depressão à Queda do Muro de Berlim, entre elas as duas terríveis sátiras "1984" e "Animal Farm", foi antes de mais nada um homem de excepcional integridade. Firme nas suas convicções de esquerda, foi voluntário contra os franquistas, na Guerra Civil espanhola. Ferido em combate (numa campanha admiravelmente contada em "Homenagem à Catalunha"), enfrentou com coragem os comunistas, quando estes, na tentativa de assumir o controle do movimento, traíram seus outros camaradas de esquerda. Foi depois objeto de um patrulhamento feroz que tentou transformá-lo numa "não-pessoa". Morreu em 1950, aos 47 anos.
Águas políticas passadas, talvez. A União Soviética, a ex formidável pátria do socialismo, não existe mais, esfarelada em repúblicas conflituosas. Para felicidade do gênero humano, não se realizaram as sombrias previsões orwellianas de "1984" _uma sociedade hipertotalitária, metida em guerras intermináveis, impondo ao povo um brutal controle do pensamento e da expressão_, o "novopensar" (newthink) e a "duplafala" (doublespeak). A televisão não se tornou um instrumento de massificação ideológica em favor do Big Brother, sendo, ao contrário, um instrumento de denúncia, que dificulta o ocultamento de selvagerias ditatoriais.
As previsões de Orwell não se realizaram ao pé da letra. Mas os verdadeiros escritores têm o dom de entrever formas da realidade que escapam facilmente aos olhos da multidão. Porque alguma coisa do "novopensar" e do "duplofalar" se encontra em nosso cotidiano. Raramente as mensagens que a humanidade troca entre si são meramente descritivas. Em geral, atingem-nos mais pelas associações de idéias e sentidos. Não haveria poesia, nem literatura, nem mesmo prece, sem adjetivos, metáforas e toda a ilimitada teia de ligações que vão se estabelecendo entre as palavras, ao longo do tempo. Mas o que faz prece ou poesia pode fazer também intriga e malefício. Questão de intenção e de dose.
Parece que mesmo línguas robustas, como o inglês, vêm perdendo a velha simplicidade por conta da "duplafala". Nos Estados Unidos, parece praga. Não há muito, uma companhia que estava mandando embora 500 empregados esclareceu: "Não caracterizamos isto como dispensa de pessoal; estamos gerenciando nossos recursos administrativos". Há consultores que trabalham especialmente no ramo de mandar gente embora e apresentam seus serviços como "consultoria para terminação e colocação externa" ou "engenharia de reemprego". No Canadá, um acidente de helicóptero foi higienizado como "desvio de um vôo normal". E os advogados do famoso jogador de futebol americano O. J. Simpson, o tal que teria matado a mulher (em quem dava surras) e o amante dela, pintaram essa relação como mera "discórdia marital". E consta que na Universidade da Califórnia, em Berkeley, a turma da educação física passou a chamar-se de "departamento de biodinâmica humana".
Exemplos inesgotáveis, alguns engraçados, outros ridículos. Mas embaçam a percepção da realidade, embora hoje não tão sinistros como no auge dos totalitarismos.
Uma ilustração recente tem pegado por aí muita gente distraída. Temos ouvido muito a expressão "excluídos" para designar grupos de pessoas de baixa renda ou supostamente marginalizadas. Há palavras apropriadas para as situações concretas: "pobre", "analfabeto", "doente", "desempregado", "drogado", por exemplo, designam situações em que determinadas pessoas objetivamente se encontram num dado momento. No resto da sociedade, espíritos decentes certamente sentirão um dever de solidariedade e, sem dúvida, pensarão no que possa ser feito para mudar esse estado de coisas.
A exclusão, no entanto, supõe uma ação deliberada contra o excluído, no caso, essa gente pobre, desempregada etc. Portanto subentende que alguém impeça à força que ela tenha acesso a bens que todos desejam. O "excludente" passa a ser indiciado como "culpado" por essa situação penosa.
Essa generalização é safada, porque sub-repticiamente legitima todas as demandas de supostos "excluídos", à custa dos demais. Houve políticas deliberadas (e criminosas) de exclusão, como a nazista, contra os não-arianos, e a comunista, contra os não-proletários.
Mas há formas de "exclusão" legítimas e até indispensáveis à existência do indivíduo e da espécie. Os países costumam fechar suas fronteiras para não serem atropelados por massas de imigrantes deslocados de outras paragens. O abuso da palavra "excluído" é particularmente frequente nas conferências internacionais. Muitos países se queixam de serem "excluídos" pela globalização, pela revolução tecnológica ou pelo liberal-capitalismo. Ao mesmo tempo praticam um nacionalismo excludente, que hostiliza capitais estrangeiros, supridores de poupança e tecnologia. Ou se impõem automutilação tecnológica, como o Brasil, com sua política de nacionalismo informático. Para não falar de países recipientes de ajuda externa, que gastam dinheiro em armamentos ou guerras tribais.
Essa confusão semântica atrapalha a compreensão do desenvolvimento econômico. Antes do processo de acumulação que é a civilização, os bandos dos nossos primitivos tataravós viviam em "equilíbrio" com a natureza _quer dizer, em média, pouco mais de 10 anos, chegando a em torno de 20 anos ao tempo de Roma, e só alcançando 40 anos nas sociedades industrializadas, no final do século passado. Fome, frio e doença eram a regra geral. E permanente guerra de pilhagem entre tribos e clãs. A escassez universal era a regra que gerava a violência.
A aquisição da racionalidade tem sido um longo esforço humano de "inclusão" ao longo de milênios. A globalização é um fenômeno de "inclusão" e não o contrário. Pelo menos usar as palavras sem deformar a mensagem está nas nossas mãos. E é parte da solução."
Roberto Campos, 82, economista e diplomata, foi senador pelo PDS-MT, deputado federal pelo PPB-RJ e ministro do Planejamento (governo Castello Branco). É autor de "A Lanterna na Popa" (Ed. Topbooks, 1994).
Fonte: Pensadores Brasileiros
27/02/2000
"George Orwell, o escritor inglês que nos deu algumas das obras que melhor iluminaram o ambiente dos difíceis anos que duraram da Depressão à Queda do Muro de Berlim, entre elas as duas terríveis sátiras "1984" e "Animal Farm", foi antes de mais nada um homem de excepcional integridade. Firme nas suas convicções de esquerda, foi voluntário contra os franquistas, na Guerra Civil espanhola. Ferido em combate (numa campanha admiravelmente contada em "Homenagem à Catalunha"), enfrentou com coragem os comunistas, quando estes, na tentativa de assumir o controle do movimento, traíram seus outros camaradas de esquerda. Foi depois objeto de um patrulhamento feroz que tentou transformá-lo numa "não-pessoa". Morreu em 1950, aos 47 anos.
Águas políticas passadas, talvez. A União Soviética, a ex formidável pátria do socialismo, não existe mais, esfarelada em repúblicas conflituosas. Para felicidade do gênero humano, não se realizaram as sombrias previsões orwellianas de "1984" _uma sociedade hipertotalitária, metida em guerras intermináveis, impondo ao povo um brutal controle do pensamento e da expressão_, o "novopensar" (newthink) e a "duplafala" (doublespeak). A televisão não se tornou um instrumento de massificação ideológica em favor do Big Brother, sendo, ao contrário, um instrumento de denúncia, que dificulta o ocultamento de selvagerias ditatoriais.
As previsões de Orwell não se realizaram ao pé da letra. Mas os verdadeiros escritores têm o dom de entrever formas da realidade que escapam facilmente aos olhos da multidão. Porque alguma coisa do "novopensar" e do "duplofalar" se encontra em nosso cotidiano. Raramente as mensagens que a humanidade troca entre si são meramente descritivas. Em geral, atingem-nos mais pelas associações de idéias e sentidos. Não haveria poesia, nem literatura, nem mesmo prece, sem adjetivos, metáforas e toda a ilimitada teia de ligações que vão se estabelecendo entre as palavras, ao longo do tempo. Mas o que faz prece ou poesia pode fazer também intriga e malefício. Questão de intenção e de dose.
Parece que mesmo línguas robustas, como o inglês, vêm perdendo a velha simplicidade por conta da "duplafala". Nos Estados Unidos, parece praga. Não há muito, uma companhia que estava mandando embora 500 empregados esclareceu: "Não caracterizamos isto como dispensa de pessoal; estamos gerenciando nossos recursos administrativos". Há consultores que trabalham especialmente no ramo de mandar gente embora e apresentam seus serviços como "consultoria para terminação e colocação externa" ou "engenharia de reemprego". No Canadá, um acidente de helicóptero foi higienizado como "desvio de um vôo normal". E os advogados do famoso jogador de futebol americano O. J. Simpson, o tal que teria matado a mulher (em quem dava surras) e o amante dela, pintaram essa relação como mera "discórdia marital". E consta que na Universidade da Califórnia, em Berkeley, a turma da educação física passou a chamar-se de "departamento de biodinâmica humana".
Exemplos inesgotáveis, alguns engraçados, outros ridículos. Mas embaçam a percepção da realidade, embora hoje não tão sinistros como no auge dos totalitarismos.
Uma ilustração recente tem pegado por aí muita gente distraída. Temos ouvido muito a expressão "excluídos" para designar grupos de pessoas de baixa renda ou supostamente marginalizadas. Há palavras apropriadas para as situações concretas: "pobre", "analfabeto", "doente", "desempregado", "drogado", por exemplo, designam situações em que determinadas pessoas objetivamente se encontram num dado momento. No resto da sociedade, espíritos decentes certamente sentirão um dever de solidariedade e, sem dúvida, pensarão no que possa ser feito para mudar esse estado de coisas.
A exclusão, no entanto, supõe uma ação deliberada contra o excluído, no caso, essa gente pobre, desempregada etc. Portanto subentende que alguém impeça à força que ela tenha acesso a bens que todos desejam. O "excludente" passa a ser indiciado como "culpado" por essa situação penosa.
Essa generalização é safada, porque sub-repticiamente legitima todas as demandas de supostos "excluídos", à custa dos demais. Houve políticas deliberadas (e criminosas) de exclusão, como a nazista, contra os não-arianos, e a comunista, contra os não-proletários.
Mas há formas de "exclusão" legítimas e até indispensáveis à existência do indivíduo e da espécie. Os países costumam fechar suas fronteiras para não serem atropelados por massas de imigrantes deslocados de outras paragens. O abuso da palavra "excluído" é particularmente frequente nas conferências internacionais. Muitos países se queixam de serem "excluídos" pela globalização, pela revolução tecnológica ou pelo liberal-capitalismo. Ao mesmo tempo praticam um nacionalismo excludente, que hostiliza capitais estrangeiros, supridores de poupança e tecnologia. Ou se impõem automutilação tecnológica, como o Brasil, com sua política de nacionalismo informático. Para não falar de países recipientes de ajuda externa, que gastam dinheiro em armamentos ou guerras tribais.
Essa confusão semântica atrapalha a compreensão do desenvolvimento econômico. Antes do processo de acumulação que é a civilização, os bandos dos nossos primitivos tataravós viviam em "equilíbrio" com a natureza _quer dizer, em média, pouco mais de 10 anos, chegando a em torno de 20 anos ao tempo de Roma, e só alcançando 40 anos nas sociedades industrializadas, no final do século passado. Fome, frio e doença eram a regra geral. E permanente guerra de pilhagem entre tribos e clãs. A escassez universal era a regra que gerava a violência.
A aquisição da racionalidade tem sido um longo esforço humano de "inclusão" ao longo de milênios. A globalização é um fenômeno de "inclusão" e não o contrário. Pelo menos usar as palavras sem deformar a mensagem está nas nossas mãos. E é parte da solução."
Roberto Campos, 82, economista e diplomata, foi senador pelo PDS-MT, deputado federal pelo PPB-RJ e ministro do Planejamento (governo Castello Branco). É autor de "A Lanterna na Popa" (Ed. Topbooks, 1994).
Fonte: Pensadores Brasileiros
O Partidão
Baixe o livro: 1984 – George Orwell
“O Partido não poderia ser derribado de dentro. Seus inimigos, se é que tinha inimigos, não tinham modo de se reunir, nem mesmo de se identificar. Mesmo que existisse a legendária Fraternidade, como era possível que existisse, era inconcebível que os seus membros pudessem jamais se reunir em grupos maiores que dois ou três.”
Baixe o livro: 1984 – George Orwell
Fonte: 4shared
terça-feira, 29 de janeiro de 2008
A igualdade não pode existir em lugar nenhum
Baixe o livro - A Crise do Mundo Moderno - René Guénon
"Como foi dito há pouco, já ninguém se encontra, no presente estado do Mundo ocidental, no lugar que lhe convém normalmente em virtude da sua própria natureza. É isso que exprimimos ao dizer que as castas já não existem, porque a casta, entendida no seu verdadeiro sentido tradicional, é simplesmente a própria natureza individual, com todo o conjunto das aptidões especiais que ela comporta e que predispõem cada homem ao cumprimento desta ou daquela função determinada. Como o acesso a certas funções já não se encontra submetido a qualquer regra legítima, daí resulta, inevitavelmente, que cada um será levado a fazer seja o que for e, muitas vezes, precisamente aquilo para o que se encontra menos qualificado. O papel que desempenhará na sociedade será determinado não pelo acaso, que na realidade não existe, mas pelo que pode dar a ilusão do acaso, ou seja, pela confusão de todas as espécies de circunstâncias acidentais. O que intervirá menos aí será precisamente o único fator que deveria contar em semelhante caso, isto é, as diferenças de natureza que existem entre os homens. A causa de toda esta desordem é a negação dessas mesmas diferenças, arrastando consigo a de toda a hierarquia social. Tal negação foi, a princípio, talvez pouco consciente e mais prática que teórica, porque a confusão das castas precedeu a sua supressão completa ou, por outras palavras, desprezou-se a natureza dos indivíduos antes de se chegar a ponto de não fazer qualquer caso dela. Mais tarde, no entanto, ela foi erigida pelos modernos em pseudo-princípio sob nome de “igualdade”.
Seria muito fácil mostrar que a igualdade não pode existir em lugar nenhum, pela simples razão de que não poderia haver dois seres que fossem ao mesmo tempo realmente distintos e inteiramente semelhantes entre si sob todos os aspectos. Seria fácil também salientar todas as conseqüências absurdas que decorrem dessa idéia quimérica, em nome da qual se pretende impor por toda parte uma completa uniformidade, por exemplo distribuindo a todos ensino idêntico, como se todos fossem igualmente aptos a compreender as mesmas coisas e como se para as fazer compreender os mesmos métodos conviessem a todos indistintamente. Pode-se, aliás, perguntar se não se trata mais de “aprender” do que de “compreender” realmente, ou seja, se a memória não é substituta da inteligência na concepção inteiramente verbal e “livresca” do ensino atual, em que se visa apenas a acumulação de noções rudimentares e heteróclitas, e em que a qualidade é inteiramente sacrificada à quantidade, tal como se produz por toda a parte, no Mundo Moderno, por razões que explicarei mais completamente a seguir: é sempre a dispersão na multiplicidade.
Haveria, a este respeito, muitas coisas a dizer acerca dos malefícios do “ensino obrigatório”; mas este não é o lugar para insistir nesse aspecto, e, para não sair do quadro traçado, contento-me em assinalar de passagem essa conseqüência especial das teorias “igualitárias”, como um dos numerosos elementos de desordem atuais.
Naturalmente, quando nos encontramos em presença de uma idéia como a de “igualdade” ou como a de “progresso”, ou como os outros “dogmas laicos” que quase todos os nossos contemporâneos aceitam cegamente, e a maior parte dos quais começou a se formular claramente no decorrer do século 18, não nos é possível admitir que tais idéias tenham nascido espontaneamente. Tratase de verdadeiras “sugestões” no sentido mais estrito desta palavra, que, aliás, não podiam produzir o seu efeito senão num meio já preparado para recebê-las; elas não criaram inteiramente o estado de espírito que caracteriza a época moderna, mas contribuíram largamente para o criar e desenvolver até um ponto que sem dúvida não teria alcançado sem elas. Se estas sugestões desaparecessem, a mentalidade geral estaria muito perto de mudar de orientação; é por isso que elas são tão cuidadosamente sustentadas por todos aqueles que têm qualquer interesse em manter a desordem, senão em agravá-la ainda mais, e é também a razão pela qual, numa época em que se pretende submeter tudo à discussão, elas são as únicas coisas que nunca é permitido discutir. É, aliás, difícil determinar exatamente o grau de sinceridade daqueles que se fazem propagadores de semelhantes idéias, saber em que medida certos homens chegam a agarrar-se às suas próprias mentiras e a sugestionar-se a si próprios sugestionando os outros; e mesmo numa propaganda deste tipo aqueles que desempenham um papel de enganados são muitas vezes os melhores instrumentos, porque lhe dão uma convicção que os outros teriam alguma dificuldade em simular e que é facilmente contagiosa. Mas por detrás de tudo isso, e pelo menos na origem, é necessária uma ação muito mais consciente, uma direção que só pode provir de homens que sabem perfeitamente a que se referem as idéias que eles assim põem a circular. Falo de “idéias”, mas tal palavra só impropriamente pode ser aplicada neste caso, porque é bem evidente que não se trata de modo algum de idéias puras, nem mesmo de algo que pertença de perto ou de longe à ordem intelectual. Pode-se dizer que são idéias falsas, mas mais valeria ainda chamar-lhes “pseudo-idéias” destinadas principalmente a provocar reações sentimentais, o que é efetivamente o meio mais eficaz e mais fácil para agir sobre as massas.
Neste aspecto, a palavra tem, aliás, uma importância maior do que a noção que supostamente representa e, na sua maior parte, os “ídolos” modernos não passam de palavras, porque se produz neste caso esse singular fenômeno conhecido pelo nome de “verbalismo”, em que a sonoridade das palavras basta para dar a ilusão do pensamento. A influência que os oradores exercem sobre as multidões é particularmente característica sob este aspecto, e não há necessidade de estudá-la de muito perto para se dar conta que se trata de um processo de sugestão comparável ao dos hipnotizadores. Mas, sem estender mais estas considerações, voltemos às conseqüências que traz consigo a negação de toda verdadeira hierarquia e notemos que, no estado atual das coisas, não apenas um homem só cumpre a sua função própria em casos excepcionais e como por acidente – enquanto é o contrário que deveria normalmente ser a exceção –, mas ainda acontece que o mesmo homem seja chamado a exercer sucessivamente funções todas elas diferentes, como se ele pudesse mudar de aptidões à sua vontade."
René Guénon
Baixe o livro - A Crise do Mundo Moderno - René Guénon
Fonte: Philosophia Perennis
domingo, 27 de janeiro de 2008
Crítica Arquetípica: Teoria dos Mitos
"Quanto à sociedade humana, a metáfora de que somos todos membros de um corpo tem estruturado a maior parte da teoria política de Platão aos nossos dias. A afirmação de Milton de que "Uma Comunidade devia ser apenas como uma pessoa cristã, com um forte desenvolvimento e a estatura de um homem digno" pertence a uma versão cristianizada dessa metáfora, na qual, como na doutrina da Trindade, a asseveração metafórica completa "Cristo é Deus e Homem" é ortodoxa, e as afirmações arianas e docéticas em termos de comparação ou semelhança, condenadas como heresias. O Leviathan de Hobbes, com seu frontispício original pintando certa quantidade de homúnculos dentro do corpo de um gigante, também se liga, de certo modo, ao mesmo tipo de identificação. A República de Platão, onde o entendimento, a vontade e o desejo do indivíduo surgem como o rei-filósofo, os guardas e os artesãos do Estado, também se funda nessa metáfora, que de fato ainda usamos, sempre que nos referimos a um grupo ou reunião de seres humanos como a um "corpo".
No simbolismo sexual, naturalmente, é mais fácil usar a metáfora "uma só carne" com referência a dois corpos unidos no mesmo corpo pelo amor. The Extasie (O Êxtase) de Donne é um dos muitos poemas baseados nessa imagem, e o Phoenix and the Turtle (A Fênix e a Rola) joga bastante com o abuso cometido contra a razão por essa identidade. Os temas da lealdade, culto do herói, servidores fiéis, e semelhantes, empregam também tal metáfora.
Os mundos animal e vegetal identificam-se um com o outro, e também com os mundos divino e humano, na doutrina cristã da transubstanciação, na qual as formas humanas essenciais do mundo vegetal, a comida e a bebida, a colheita e a vindima, o pão e o vinho, são o corpo e o sangue do Cordeiro, que é também Homem e Deus, e em cujo corpo existimos como numa cidade ou num templo. Ainda aqui a doutrina ortodoxa insiste na metáfora por oposição ao símile, e ainda aqui o conceito de substância ilustra as lutas da Lógica a fim de assimilar a metáfora. Transparece do início das Leis que o simpósio tinha algo do mesmo simbolismo comunial para Platão. Seria difícil encontrar uma imagem mais simples ou mais vívida da civilização humana: nela o homem tenta fechar a natureza e pô-la dentro de seu corpo (social), em vez da refeição sacramental.
No simbolismo sexual, naturalmente, é mais fácil usar a metáfora "uma só carne" com referência a dois corpos unidos no mesmo corpo pelo amor. The Extasie (O Êxtase) de Donne é um dos muitos poemas baseados nessa imagem, e o Phoenix and the Turtle (A Fênix e a Rola) joga bastante com o abuso cometido contra a razão por essa identidade. Os temas da lealdade, culto do herói, servidores fiéis, e semelhantes, empregam também tal metáfora.
Os mundos animal e vegetal identificam-se um com o outro, e também com os mundos divino e humano, na doutrina cristã da transubstanciação, na qual as formas humanas essenciais do mundo vegetal, a comida e a bebida, a colheita e a vindima, o pão e o vinho, são o corpo e o sangue do Cordeiro, que é também Homem e Deus, e em cujo corpo existimos como numa cidade ou num templo. Ainda aqui a doutrina ortodoxa insiste na metáfora por oposição ao símile, e ainda aqui o conceito de substância ilustra as lutas da Lógica a fim de assimilar a metáfora. Transparece do início das Leis que o simpósio tinha algo do mesmo simbolismo comunial para Platão. Seria difícil encontrar uma imagem mais simples ou mais vívida da civilização humana: nela o homem tenta fechar a natureza e pô-la dentro de seu corpo (social), em vez da refeição sacramental.
As honras convencionais concedidas à ovelha no mundo animal fornecem-nos o arquétipo básico das imagens pastorais, e também metáforas como "pastor" e "rebanho" na religião. A metáfora do rei como pastor de seu povo remonta ao antigo Egito. Talvez o emprego dessa convenção específica seja devida ao fato de que, por estúpidas, meigas, gregárias e facilmente marcadas, as sociedades formadas pelas ovelhas são muito semelhantes às humanas. Mas naturalmente qualquer outro animal seria útil em poesia, se a audiência do poeta estivesse preparada para ele: no início do Brihadaranyaka Upanishad, por exemplo, o cavalo sacrifical, cujo corpo contém todo o universo, é tratado da mesma forma que um poeta cristão trataria o Cordeiro de Deus. Também entre os pássaros a pomba tem representado tradicionalmente a concórdia universal ou amor, tanto de Vênus como do Espírito Santo cristão. As identificações de deuses com animais ou plantas e destes com a sociedade humana formam a base do simbolismo totêmico. Certos tipos de conto popular etiológico, as estórias de como seres sobrenaturais se transformaram nos animais e nas plantas que conhecemos, representam uma forma atenuada do mesmo tipo de metáfora, e sobrevivem como o arquétipo da "metamorfose", familiar em razão de Ovídio."
FRYE, Northrop - Anatomia da Crítica.
FRYE, Northrop - Anatomia da Crítica.
segunda-feira, 21 de janeiro de 2008
Análise do marxismo
"A ingenuidade dialéctica de certos marxistas se manifesta em raciocínios como este:
A é operário, é a afirmação, é a tese. B é o patrão, o capitalista, a antítese. Mas A é inseparável de B, e B inseparável de A, pois são as relações entre ambos, A e B, que formam A e B. A pessoa de A está fundida em B, de forma que B, nesse momento, passa a ser negação de B que era negação, e porque afirma A, passa portanto a ser negação da negação. A leitura do Organon de Aristóteles esclareceria bem tais aspectos dos chamados contrários correlativos.
Marx jamais raciocinaria assim. É da fatalidade de certos mestres certos discípulos...
Se os marxistas meditassem mais sobre as diversas contribuições dialécticas, vindas de outras origens, evitariam certos erros interpretativos da história que os tornaram os mais acabados profetas malogrados dos factos. Quem se debruça sobre o pensamento socialista, desde logo observa que os marxistas, apesar de toda a sua convicção de verdade, foram, na crítica, constantemente errados. Leiam-se as obras de Lenine, Marx e Engels, etc., e verificar-se-á, nelas, o número exagerado de vezes em que se lêem palavras como estas: "nessa época estávamos errados..."
Mário Ferreira dos Santos - Lógica e Dialéctica
A é operário, é a afirmação, é a tese. B é o patrão, o capitalista, a antítese. Mas A é inseparável de B, e B inseparável de A, pois são as relações entre ambos, A e B, que formam A e B. A pessoa de A está fundida em B, de forma que B, nesse momento, passa a ser negação de B que era negação, e porque afirma A, passa portanto a ser negação da negação. A leitura do Organon de Aristóteles esclareceria bem tais aspectos dos chamados contrários correlativos.
Marx jamais raciocinaria assim. É da fatalidade de certos mestres certos discípulos...
Se os marxistas meditassem mais sobre as diversas contribuições dialécticas, vindas de outras origens, evitariam certos erros interpretativos da história que os tornaram os mais acabados profetas malogrados dos factos. Quem se debruça sobre o pensamento socialista, desde logo observa que os marxistas, apesar de toda a sua convicção de verdade, foram, na crítica, constantemente errados. Leiam-se as obras de Lenine, Marx e Engels, etc., e verificar-se-á, nelas, o número exagerado de vezes em que se lêem palavras como estas: "nessa época estávamos errados..."
Mário Ferreira dos Santos - Lógica e Dialéctica
sábado, 19 de janeiro de 2008
O que os “estudos provam” é, geralmente, qualquer coisa desejada por aqueles que fizeram o estudo.
"Estudos provam que....": Parte I
por Thomas Sowell em 21 de agosto de 2006
© 2006 MidiaSemMascara.org
"Todas as vezes que eu ouço a frase “estudos provam” isso ou aquilo me lembro do início de minha carreira como economista no Ministério do Trabalho, em Washington.
O ministro do trabalho Arthur Goldberg ia comparecer perante o Congresso para defender uma determinada política de seu ministério e tentar transformá-la em lei. Na parte inferior da hierarquia, me apresentaram quatro conjuntos de dados, ainda não publicados, e me pediram para elaborar um relatório, a ser enviado ao ministro, analisando-os.
Dois dos conjuntos de dados pareciam apoiar a posição do ministério, mas os outros dois pareciam contrariá-la. Quando escrevi o parecer explicando essas coisas e dizendo que, no geral, os dados eram inconclusivos, houve muito desânimo em toda a hierarquia que me separava do ministro.
Eles ficaram também surpresos com o fato de alguém escrever tais coisas mesmo sabendo qual a posição do ministério sobre a questão. Eles pegaram meu relatório, editaram-no e o reescreveram antes de encaminhá-lo às camadas superiores de comando."
Continue lendo no site: Mídia Sem Máscara
"Estudos provam que....": Parte I
“Estudos provam que...” : Parte II
"Estudos provam que....": Final
por Thomas Sowell em 21 de agosto de 2006
© 2006 MidiaSemMascara.org
"Todas as vezes que eu ouço a frase “estudos provam” isso ou aquilo me lembro do início de minha carreira como economista no Ministério do Trabalho, em Washington.
O ministro do trabalho Arthur Goldberg ia comparecer perante o Congresso para defender uma determinada política de seu ministério e tentar transformá-la em lei. Na parte inferior da hierarquia, me apresentaram quatro conjuntos de dados, ainda não publicados, e me pediram para elaborar um relatório, a ser enviado ao ministro, analisando-os.
Dois dos conjuntos de dados pareciam apoiar a posição do ministério, mas os outros dois pareciam contrariá-la. Quando escrevi o parecer explicando essas coisas e dizendo que, no geral, os dados eram inconclusivos, houve muito desânimo em toda a hierarquia que me separava do ministro.
Eles ficaram também surpresos com o fato de alguém escrever tais coisas mesmo sabendo qual a posição do ministério sobre a questão. Eles pegaram meu relatório, editaram-no e o reescreveram antes de encaminhá-lo às camadas superiores de comando."
Continue lendo no site: Mídia Sem Máscara
"Estudos provam que....": Parte I
“Estudos provam que...” : Parte II
"Estudos provam que....": Final
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