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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
Tabacaria
"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu."
Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa - 15-1-1928
domingo, 5 de outubro de 2008
Pomo (de Mínima lírica)
"Da vida só têm substância
a casca e o caroço.
No meio só tem amido,
embromações do carbono.
Porém todo o gosto reside
nessa carne intermediária,
sem valor alimentício,
sem realidade, sem nada.
É nela que os dentes encontram
o que os mantém afiados;
com ela é que a língua elabora
a doce palavra."
Pomo - Paulo Henriques Britto
Fonte: Jornal da Poesia
a casca e o caroço.
No meio só tem amido,
embromações do carbono.
Porém todo o gosto reside
nessa carne intermediária,
sem valor alimentício,
sem realidade, sem nada.
É nela que os dentes encontram
o que os mantém afiados;
com ela é que a língua elabora
a doce palavra."
Pomo - Paulo Henriques Britto
Fonte: Jornal da Poesia
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
Pequena Biografia
"Não amei ninguém.
Não me senti amado por ninguém.
Reuni alguns resíduos de paixão
o gosto de todas as alegrias
o desencontro de todas as esquinas
e a inutilidade de todas as palavras.
E nada mais."
José Mário Rodrigues
Fonte: Jornal da Poesia
Não me senti amado por ninguém.
Reuni alguns resíduos de paixão
o gosto de todas as alegrias
o desencontro de todas as esquinas
e a inutilidade de todas as palavras.
E nada mais."
José Mário Rodrigues
Fonte: Jornal da Poesia
segunda-feira, 23 de junho de 2008
REBELADO
"Ri tua face um riso acerbo e doente,
que fere, ao mesmo tempo que contrista...
Riso de ateu e riso de budista
gelado no Nirvana impenitente.
Flor de sangue, talvez, e flor dolente
de uma paixão espiritual de artista,
flor de Pecado sentimentalista
sangrando em riso desdenhosamente.
Da alma sombria de tranqüilo asceta
bebeste, entanto, a morbidez secreta
que a febre das insânias adormece.
Mas no teu lábio convulsivo e mudo
mesmo até riem, com desdéns de tudo,
as sílabas simbólicas da Prece!"
Cruz e Sousa (1861 - 1898)
que fere, ao mesmo tempo que contrista...
Riso de ateu e riso de budista
gelado no Nirvana impenitente.
Flor de sangue, talvez, e flor dolente
de uma paixão espiritual de artista,
flor de Pecado sentimentalista
sangrando em riso desdenhosamente.
Da alma sombria de tranqüilo asceta
bebeste, entanto, a morbidez secreta
que a febre das insânias adormece.
Mas no teu lábio convulsivo e mudo
mesmo até riem, com desdéns de tudo,
as sílabas simbólicas da Prece!"
Cruz e Sousa (1861 - 1898)
quarta-feira, 16 de abril de 2008
Jorge Luis Borges, o grande personagem borgiano
"Depois da fama, alcançada nos anos 60, o escritor se tornou uma ilusão, um simulador
A França comemorou o centenário de Borges (1899-1999) em grande estilo: números monográficos de revistas e suplementos literários, chuva de artigos, reedições de seus livros e, suprema glória para um escritor, seu ingresso na Pléiade, a biblioteca dos imortais, com dois volumes compactos e um álbum especial com imagens de toda a sua biografia. Na Academia de Belas Artes, transformada em labirinto, uma vasta exposição preparada por Maria Kodama e a Fundação Borges documenta cada passo que ele deu, desde o seu nascimento até sua morte, os livros que leu e escreveu, as viagens que fez e as infinitas condecorações e diplomas que lhe foram concedidos. No dia de abertura da exposição, segundo testemunhas locais, rutilavam luminares intelectuais e políticos e, acreditem ou não, algumas moças lindas vestiam camisetas pólo brancas e pretas estampadas com o nome de Borges.
Nenhum país desenvolveu melhor do que a França a arte de detectar o gênio artístico estrangeiro e apropriar-se dele, entronizando-o e irradiando-o. Vendo a exuberância e a felicidade com que os franceses celebram os cem anos do autor de Ficções, tive, nesses dias, a estranha sensação de que Borges foi patrício não de Sarmiento e Bioy Casares, mas de Saint-John Perse e Válery. Bem, mesmo que não tenha sido, é justo reconhecer que, sem o entusiasmo da França por sua obra, talvez ele não tivesse obtido - não tão depressa - o reconhecimento que, a partir dos anos 60, o converteu em um dos escritores mais traduzidos, admirados e imitados em todas as línguas cultas do planeta.
Tenho a garridice de acreditar que fui testemunha do coup de foudre, o amor à primeira vista dos franceses por Borges, nos anos de 1960 e 1961. Vim a Paris para participar de uma homenagem a Shakespeare, organizada pela Unesco, e a intervenção deste ancião precoce e semi-inválido, a quem Roger Caillois apresentou com efervescência retórica, surpreendeu a todo o mundo. Antes dele haviam falado o engenhoso Lawrence Durrell, comparando o bardo a Hollywood, e depois Giuseppe Ungaretti, que leu, com talento histriônico, suas traduções para o italiano de alguns sonetos de Shakespeare.
Mas a exposição feita por Borges em um francês polido, fantasiando por que alguns criadores se tornam símbolos de uma cultura - Dante, da italiana; Cervantes, da espanhola; Goethe, da alemã - e sobre como Shakespeare se eclipsou para que seus personagens fossem mais nítidos e livres, seduziu por sua originalidade e sutileza. Dias depois, sua conferência no Instituto da América Latina, além de ter lotado o salão, atraiu um grupo de escritores da moda, entre os quais se incluía Roland Barthes.
Aquela foi uma das palestras mais tocantes que já ouvi. O tema era a literatura fantástica. A palestra foi ilustrada com breves resumos de contos e novelas - de diversas línguas e épocas - , os recursos mais freqüentes de que este gênero se vale para "fingir a irrealidade". Imóvel atrás da tribuna, com uma voz intimidada, como se estivesse pedindo desculpas, mas, na verdade, com soberba desenvoltura, o conferencista parecia ter na memória a literatura universal e desenvolvia sua argumentação com elegância e astúcia. "Certamente este escritor vem do país dos gaúchos", exclamou um ouvinte maravilhado, enquanto aplaudia com entusiasmo (Borges havia posto ponto final na sua conferência com uma pergunta de efeito: "E, agora, decidam os senhores se pertencem à literatura realista ou à fantástica").
Sim, ele vinha do país dos gaúchos, mas não tinha nada de exótico nem de primitivo, e sua obra não fazia alarde das cores locais. Já havia escrito várias obras-primas, mas ainda era conhecido só por pequenos grupos de admiradores, inclusive no seu país, e seus contos e ensaios circulavam em edições pouco menos que familiares. A França o tirou da catacumba em que ele enlanguecia.
Sucesso na França - Depois daquela visita, a revista L'Herne dedicou a ele um número memorável e Michael Foucault iniciou o livro de filosofia mais influente da década - Les Mots e les Choses - com um comentário borgeano. O entusiasmo foi ecumênico: de Le Figaro a Le Nouvel Observateur, de Les Temps Modernes, de Sartre, a Les Lettres Françaises, de Aragon. E, como ainda sucede atualmente em assuntos de cultura, quando a França legislava o resto do mundo obedecia. Os latino-americanos, os espanhóis, os norte-americanos, os italianos, os alemães, etc., começaram, na retaguarda dos franceses, a ler Borges. Assim começou a história que culmina, agora, com as trombetas e a pompa do centenário.
O Borges que, durante aquela visita a Paris, resignou-se a conceder uma entrevista (uma entre mil) ao obscuro jornalista da Radiotelevisão Francesa, que era este escriba, ainda não era esse Borges público, essa persona de gestos, palavras e atitudes um tanto estereotipados em que logo se converteria, obrigado pela fama e para se defender de seus estragos.
Era, contudo, um sensível e tímido intelectual portenho, apegado às saias da mãe, que não conseguia entender a crescente curiosidade e admiração que despertava, sinceramente incomodado pela enxurrada de prêmios, elogios, estudos, homenagens que lhe caiam em cima, embaraçado com a proliferação de discípulos e imitadores que encontrava onde quer que fosse. É difícil saber se ele chegou a acostumar-se com esse papel.
Talvez sim, a julgar pelo desfile vertiginoso de fotos da exposição de Beaux Arts, nas quais ele é visto recebendo medalhas e homenagens e subindo a todas as tribunas para fazer palestras e recitais.
Mas as aparências enganam. O Borges das fotografias não era ele, e sim, como o Shakespeare de seu ensaio, uma ilusão, um simulador, alguém que andava pelo mundo representando Borges e dizendo as coisas que se esperava que Borges dissesse sobre os labirintos, os tigres, os "compadritos", as facas, a rosa do futuro de Wells, o marinheiro cego de Stevenson e as Mil e Uma Noites. A primeira vez que falei com ele, naquela entrevista de 1960 ou 1961 (lembro-me de sua resposta a uma de minhas perguntas - "O que é a política para você, Borges?" : "Uma das formas do tédio"), estou seguro de que, pelo menos em algum momento, realmente falei, me conectei com ele.
Nunca mais voltei a ter essa sensação nos anos seguintes. Eu o vi muitas vezes, em Londres, Buenos Aires, Nova York, Lima, e voltei a entrevistá-lo, e até o recebi em minha casa por várias horas na última vez.
Mas em nenhuma dessas ocasiões senti que conversávamos. Ele já tinha apenas ouvintes, não interlocutores, e talvez um só ouvinte - que mudava de rosto, de nome e de lugar - diante do qual ia desfiando um monólogo curioso, interminável, atrás do qual se havia recolhido ou enterrado para fugir dos demais e até da realidade, como um de seus personagens. Ele era o homem mais homenageado do mundo e dava uma tremenda impressão de solidão.
Lucidez - Os franceses o fizeram mais feliz, ou menos infeliz, tornando-o famoso? Não há meios de saber isso. Mas tudo indica que, contrariamente ao que poderiam sugerir as atitudes de sua persona pública, ele carecia de vaidades terrenas. Tinha dúvidas genuínas sobre a perenidade de sua própria obra e era demasiadamente lúcido para sentir-se cumulado de reconhecimentos oficiais. Provavelmente, só teve prazer lendo, pensando e escrevendo; o resto foi secundário, e ele se prestou a isso graças à boa criação recebida, salvando muito bem as aparências, embora sem muita convicção. Por isso, aquela famosa frase que escreveu (ele foi, entre outras coisas, o melhor escritor de frases de seu tempo) -"Li muitas coisas e vivi poucas" - o retrata de corpo inteiro.
É certo que, apesar de ter passado os últimos 20 anos de sua vida em meio a multidões, Borges nunca chegou a ter consciência cabal da enorme influência de sua obra sobre a literatura de seu tempo, e ainda menos da revolução que a sua maneira de escrever significou para a língua castelhana. O estilo de Borges é inteligente e límpido, de uma concisão matemática, de adjetivos audazes e idéias insólitas, no qual, como não sobra nem falta nada, deparamos, a cada passo, com esse mistério inquietante que é a perfeição.
Contrariando algumas de suas afirmações pessimistas sobre a incapacidade do espanhol para a precisão e o matiz, o estilo que ele criou demonstra que a língua espanhola pode ser tão exata e delicada quanto a francesa, tão flexível e inovadora como a inglesa. O estilo borgiano é um dos milagres estéticos do século que termina, um estilo que desinflou a língua espanhola da elefantíase retórica, da ênfase e da reiteração que a asfixiavam; que a depurou até quase a anorexia e a obrigou a ser luminosamente inteligente. (Para encontrar outro prosista tão inteligente como ele é preciso retroceder até Quevedo, escritor que Borges amou e do qual fez uma preciosa antologia comentada.) Pois bem, na prosa de Borges, por excesso de razão e de idéias, de contenção intelectual, há, também, como na de Quevedo, algo de desumano. É uma prosa que lhe serviu maravilhosamente para escrever seus fulgurantes relatos fantásticos, a ourivesaria de seus ensaios que transmutavam em literatura toda a existência, e seus poemas arrazoados. Mas com sua prosa seria tão impossível escrever novelas como com a de T.S. Elliot, outro extraordinário estilista cujo excesso de inteligência também entremeou sua percepção da vida. Porque a novela é o território da experiência humana totalizada, da vida integral, da imperfeição.
Nela se mesclam o intelecto e as paixões, o conhecimento e o instinto, a sensação e a intuição, a matéria desigual e poliédrica que as idéias, por si sós, não bastam para expressar. Por isso, os grandes novelistas nunca são prosadores perfeitos. Esta é, sem dúvida, a razão da antipatia pertinaz que Borges sentia pelo gênero novelesco, que definiu, em outra de suas frases célebres, como "desvario laborioso e empobrecedor".
As brincadeiras e o humor sempre rondaram seus textos e suas declarações e causaram inúmeros mal-entendidos. Quem carece de senso de humor não entende Borges. Ele foi um esteta provocador, na sua juventude. Embora logo depois tenha-se retratado pelo "equívoco radical" (falava em "equivocación ultraísta") dos anos de sua mocidade, nunca deixou de levar consigo, escondido, o insolente vanguardista que se divertia soltando impertinências. Estranha-me que entre os infinitos livros que foram publicados sobre ele não tenha aparecido nenhum que reúna uma boa coleção das impertinências que disse - como chamar Lorca de "um andaluz profissional", falar do "poeirento Machado", alterar o título de uma novela de Mallea (Todo Leitor Perecerá) e homenagear Sábato dizendo que sua obra "pode ser posta em mãos de qualquer um sem nenhum perigo". Durante a Guerra das Malvinas, disse outra frase, mais arriscada e não menos divertida: "Esta é a disputa dos calvos por um pente." São faíscas de humor que mostram gratidão, que revelam que no interior desse ser "corrompido pela literatura" havia picardia, malícia, vida."
Mario Vargas Llosa - Estado de São Paulo - 19.06.1999
A França comemorou o centenário de Borges (1899-1999) em grande estilo: números monográficos de revistas e suplementos literários, chuva de artigos, reedições de seus livros e, suprema glória para um escritor, seu ingresso na Pléiade, a biblioteca dos imortais, com dois volumes compactos e um álbum especial com imagens de toda a sua biografia. Na Academia de Belas Artes, transformada em labirinto, uma vasta exposição preparada por Maria Kodama e a Fundação Borges documenta cada passo que ele deu, desde o seu nascimento até sua morte, os livros que leu e escreveu, as viagens que fez e as infinitas condecorações e diplomas que lhe foram concedidos. No dia de abertura da exposição, segundo testemunhas locais, rutilavam luminares intelectuais e políticos e, acreditem ou não, algumas moças lindas vestiam camisetas pólo brancas e pretas estampadas com o nome de Borges.
Nenhum país desenvolveu melhor do que a França a arte de detectar o gênio artístico estrangeiro e apropriar-se dele, entronizando-o e irradiando-o. Vendo a exuberância e a felicidade com que os franceses celebram os cem anos do autor de Ficções, tive, nesses dias, a estranha sensação de que Borges foi patrício não de Sarmiento e Bioy Casares, mas de Saint-John Perse e Válery. Bem, mesmo que não tenha sido, é justo reconhecer que, sem o entusiasmo da França por sua obra, talvez ele não tivesse obtido - não tão depressa - o reconhecimento que, a partir dos anos 60, o converteu em um dos escritores mais traduzidos, admirados e imitados em todas as línguas cultas do planeta.
Tenho a garridice de acreditar que fui testemunha do coup de foudre, o amor à primeira vista dos franceses por Borges, nos anos de 1960 e 1961. Vim a Paris para participar de uma homenagem a Shakespeare, organizada pela Unesco, e a intervenção deste ancião precoce e semi-inválido, a quem Roger Caillois apresentou com efervescência retórica, surpreendeu a todo o mundo. Antes dele haviam falado o engenhoso Lawrence Durrell, comparando o bardo a Hollywood, e depois Giuseppe Ungaretti, que leu, com talento histriônico, suas traduções para o italiano de alguns sonetos de Shakespeare.
Mas a exposição feita por Borges em um francês polido, fantasiando por que alguns criadores se tornam símbolos de uma cultura - Dante, da italiana; Cervantes, da espanhola; Goethe, da alemã - e sobre como Shakespeare se eclipsou para que seus personagens fossem mais nítidos e livres, seduziu por sua originalidade e sutileza. Dias depois, sua conferência no Instituto da América Latina, além de ter lotado o salão, atraiu um grupo de escritores da moda, entre os quais se incluía Roland Barthes.
Aquela foi uma das palestras mais tocantes que já ouvi. O tema era a literatura fantástica. A palestra foi ilustrada com breves resumos de contos e novelas - de diversas línguas e épocas - , os recursos mais freqüentes de que este gênero se vale para "fingir a irrealidade". Imóvel atrás da tribuna, com uma voz intimidada, como se estivesse pedindo desculpas, mas, na verdade, com soberba desenvoltura, o conferencista parecia ter na memória a literatura universal e desenvolvia sua argumentação com elegância e astúcia. "Certamente este escritor vem do país dos gaúchos", exclamou um ouvinte maravilhado, enquanto aplaudia com entusiasmo (Borges havia posto ponto final na sua conferência com uma pergunta de efeito: "E, agora, decidam os senhores se pertencem à literatura realista ou à fantástica").
Sim, ele vinha do país dos gaúchos, mas não tinha nada de exótico nem de primitivo, e sua obra não fazia alarde das cores locais. Já havia escrito várias obras-primas, mas ainda era conhecido só por pequenos grupos de admiradores, inclusive no seu país, e seus contos e ensaios circulavam em edições pouco menos que familiares. A França o tirou da catacumba em que ele enlanguecia.
Sucesso na França - Depois daquela visita, a revista L'Herne dedicou a ele um número memorável e Michael Foucault iniciou o livro de filosofia mais influente da década - Les Mots e les Choses - com um comentário borgeano. O entusiasmo foi ecumênico: de Le Figaro a Le Nouvel Observateur, de Les Temps Modernes, de Sartre, a Les Lettres Françaises, de Aragon. E, como ainda sucede atualmente em assuntos de cultura, quando a França legislava o resto do mundo obedecia. Os latino-americanos, os espanhóis, os norte-americanos, os italianos, os alemães, etc., começaram, na retaguarda dos franceses, a ler Borges. Assim começou a história que culmina, agora, com as trombetas e a pompa do centenário.
O Borges que, durante aquela visita a Paris, resignou-se a conceder uma entrevista (uma entre mil) ao obscuro jornalista da Radiotelevisão Francesa, que era este escriba, ainda não era esse Borges público, essa persona de gestos, palavras e atitudes um tanto estereotipados em que logo se converteria, obrigado pela fama e para se defender de seus estragos.
Era, contudo, um sensível e tímido intelectual portenho, apegado às saias da mãe, que não conseguia entender a crescente curiosidade e admiração que despertava, sinceramente incomodado pela enxurrada de prêmios, elogios, estudos, homenagens que lhe caiam em cima, embaraçado com a proliferação de discípulos e imitadores que encontrava onde quer que fosse. É difícil saber se ele chegou a acostumar-se com esse papel.
Talvez sim, a julgar pelo desfile vertiginoso de fotos da exposição de Beaux Arts, nas quais ele é visto recebendo medalhas e homenagens e subindo a todas as tribunas para fazer palestras e recitais.
Mas as aparências enganam. O Borges das fotografias não era ele, e sim, como o Shakespeare de seu ensaio, uma ilusão, um simulador, alguém que andava pelo mundo representando Borges e dizendo as coisas que se esperava que Borges dissesse sobre os labirintos, os tigres, os "compadritos", as facas, a rosa do futuro de Wells, o marinheiro cego de Stevenson e as Mil e Uma Noites. A primeira vez que falei com ele, naquela entrevista de 1960 ou 1961 (lembro-me de sua resposta a uma de minhas perguntas - "O que é a política para você, Borges?" : "Uma das formas do tédio"), estou seguro de que, pelo menos em algum momento, realmente falei, me conectei com ele.
Nunca mais voltei a ter essa sensação nos anos seguintes. Eu o vi muitas vezes, em Londres, Buenos Aires, Nova York, Lima, e voltei a entrevistá-lo, e até o recebi em minha casa por várias horas na última vez.
Mas em nenhuma dessas ocasiões senti que conversávamos. Ele já tinha apenas ouvintes, não interlocutores, e talvez um só ouvinte - que mudava de rosto, de nome e de lugar - diante do qual ia desfiando um monólogo curioso, interminável, atrás do qual se havia recolhido ou enterrado para fugir dos demais e até da realidade, como um de seus personagens. Ele era o homem mais homenageado do mundo e dava uma tremenda impressão de solidão.
Lucidez - Os franceses o fizeram mais feliz, ou menos infeliz, tornando-o famoso? Não há meios de saber isso. Mas tudo indica que, contrariamente ao que poderiam sugerir as atitudes de sua persona pública, ele carecia de vaidades terrenas. Tinha dúvidas genuínas sobre a perenidade de sua própria obra e era demasiadamente lúcido para sentir-se cumulado de reconhecimentos oficiais. Provavelmente, só teve prazer lendo, pensando e escrevendo; o resto foi secundário, e ele se prestou a isso graças à boa criação recebida, salvando muito bem as aparências, embora sem muita convicção. Por isso, aquela famosa frase que escreveu (ele foi, entre outras coisas, o melhor escritor de frases de seu tempo) -"Li muitas coisas e vivi poucas" - o retrata de corpo inteiro.
É certo que, apesar de ter passado os últimos 20 anos de sua vida em meio a multidões, Borges nunca chegou a ter consciência cabal da enorme influência de sua obra sobre a literatura de seu tempo, e ainda menos da revolução que a sua maneira de escrever significou para a língua castelhana. O estilo de Borges é inteligente e límpido, de uma concisão matemática, de adjetivos audazes e idéias insólitas, no qual, como não sobra nem falta nada, deparamos, a cada passo, com esse mistério inquietante que é a perfeição.
Contrariando algumas de suas afirmações pessimistas sobre a incapacidade do espanhol para a precisão e o matiz, o estilo que ele criou demonstra que a língua espanhola pode ser tão exata e delicada quanto a francesa, tão flexível e inovadora como a inglesa. O estilo borgiano é um dos milagres estéticos do século que termina, um estilo que desinflou a língua espanhola da elefantíase retórica, da ênfase e da reiteração que a asfixiavam; que a depurou até quase a anorexia e a obrigou a ser luminosamente inteligente. (Para encontrar outro prosista tão inteligente como ele é preciso retroceder até Quevedo, escritor que Borges amou e do qual fez uma preciosa antologia comentada.) Pois bem, na prosa de Borges, por excesso de razão e de idéias, de contenção intelectual, há, também, como na de Quevedo, algo de desumano. É uma prosa que lhe serviu maravilhosamente para escrever seus fulgurantes relatos fantásticos, a ourivesaria de seus ensaios que transmutavam em literatura toda a existência, e seus poemas arrazoados. Mas com sua prosa seria tão impossível escrever novelas como com a de T.S. Elliot, outro extraordinário estilista cujo excesso de inteligência também entremeou sua percepção da vida. Porque a novela é o território da experiência humana totalizada, da vida integral, da imperfeição.
Nela se mesclam o intelecto e as paixões, o conhecimento e o instinto, a sensação e a intuição, a matéria desigual e poliédrica que as idéias, por si sós, não bastam para expressar. Por isso, os grandes novelistas nunca são prosadores perfeitos. Esta é, sem dúvida, a razão da antipatia pertinaz que Borges sentia pelo gênero novelesco, que definiu, em outra de suas frases célebres, como "desvario laborioso e empobrecedor".
As brincadeiras e o humor sempre rondaram seus textos e suas declarações e causaram inúmeros mal-entendidos. Quem carece de senso de humor não entende Borges. Ele foi um esteta provocador, na sua juventude. Embora logo depois tenha-se retratado pelo "equívoco radical" (falava em "equivocación ultraísta") dos anos de sua mocidade, nunca deixou de levar consigo, escondido, o insolente vanguardista que se divertia soltando impertinências. Estranha-me que entre os infinitos livros que foram publicados sobre ele não tenha aparecido nenhum que reúna uma boa coleção das impertinências que disse - como chamar Lorca de "um andaluz profissional", falar do "poeirento Machado", alterar o título de uma novela de Mallea (Todo Leitor Perecerá) e homenagear Sábato dizendo que sua obra "pode ser posta em mãos de qualquer um sem nenhum perigo". Durante a Guerra das Malvinas, disse outra frase, mais arriscada e não menos divertida: "Esta é a disputa dos calvos por um pente." São faíscas de humor que mostram gratidão, que revelam que no interior desse ser "corrompido pela literatura" havia picardia, malícia, vida."
Mario Vargas Llosa - Estado de São Paulo - 19.06.1999
Nossa jovem miséria
"A cidade, com suas fumaças e ruídos de ofícios, nos seguia tão longe nos caminhos. Ó outro mundo, morada abençoada por céu e sombras ! O vento Sul me fez lembrar miseráveis incidentes de infância, meus desesperos de verão, a horrível quantidade de força e de ciência que o destino sempre afastou de mim. Não! não passaremos o verão neste país mesquinho onde nada mais seremos que noivos órfãos. Quero que este braço teso não arraste mais uma imagem querida."
Arthur Rimbaud
Baixe o livro: Arthur Rimbaud - Illuminuras
Fonte: 4Shared
Arthur Rimbaud
Baixe o livro: Arthur Rimbaud - Illuminuras
Fonte: 4Shared
domingo, 16 de março de 2008
O cerco
"Estamos todos cercados;
e o silêncio do sonho
é nossa arma sagrada:
as pistolas e as línguas de aço
dos inimigos brilham ao sol,
e eles gritam tanto
sobre as velhas colinas,
atrás das cegas estantes,
que sabemos de tudo;
e colados ficamos,
amamos e permanecemos."
Alberto da Cunha Melo - Poemas do livro O Cão de Olhos Amarelos & outros poemas inéditos. A Girafa Editora, 2006.
Fonte: Alberto da Cunha Melo
e o silêncio do sonho
é nossa arma sagrada:
as pistolas e as línguas de aço
dos inimigos brilham ao sol,
e eles gritam tanto
sobre as velhas colinas,
atrás das cegas estantes,
que sabemos de tudo;
e colados ficamos,
amamos e permanecemos."
Alberto da Cunha Melo - Poemas do livro O Cão de Olhos Amarelos & outros poemas inéditos. A Girafa Editora, 2006.
Fonte: Alberto da Cunha Melo
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008
Livro dos sonhos
"Quando o corpo repousa em plena digestão e não necessita de nada até o momento de despertar, nossa alma se eleva até sua verdadeira pátria, que é o céu. Ali recebe a participação de sua primitiva origem divina e na contemplação daquela infinita e intelectual esfera (cujo centro se encontra em algum lugar do universo, ponto central que reside em Deus segundo a doutrina de Hermes Trismegisto, e a qual nada altera e na qual nada ocorre, pois todos os tempos se desenvolvem no presente) capta não apenas os acontecimentos das camadas inferiores, mas também os futuros, transmitindo-os ao seu corpo através de seus órgãos sensíveis. Dada à fragilidade e à imperfeição do corpo que os captou, não pode transmiti-los fielmente. Cabe aos intérpretes e vaticinadores de sonhos, os gregos, aprofundar-se em tão importante matéria. Heráclito dizia que a interpretação dos sonhos não é para ficar oculta, pois nos dá o significado e normas gerais das coisas do futuro, para nossa sorte ou desgraça. Anfiarao estabeleceu que não se deve beber durante três dias nem comer durante um antes dos sonhos. Estômago cheio, má espiritualidade."
Baixe o livro: Livro dos sonhos - Jorge Luis Borges
Fonte: PDL
Baixe o livro: Livro dos sonhos - Jorge Luis Borges
Fonte: PDL
sábado, 5 de janeiro de 2008
O mundo que venci deu-me um amor
"O mundo que eu venci deu-me um amor,
Um troféu perigoso, este cavalo
Carregado de infantes couraçados.
O mundo que venci deu-me um amor
Alado galopando em céus irados,
Por cima de qualquer muro de credo.
Por cima de qualquer fosso de sexo.
O mundo que venci deu-me um amor
Amor feito de insulto e pranto e riso,
Amor que força as portas dos infernos,
Amor que galga o cume ao paraíso.
Amor que dorme e treme. Que desperta
E torna contra mim, e me devora
E me rumina em cantos de vitória... "
Mário Faustino - (1930-1962)
Fonte: Antonio Miranda
Um troféu perigoso, este cavalo
Carregado de infantes couraçados.
O mundo que venci deu-me um amor
Alado galopando em céus irados,
Por cima de qualquer muro de credo.
Por cima de qualquer fosso de sexo.
O mundo que venci deu-me um amor
Amor feito de insulto e pranto e riso,
Amor que força as portas dos infernos,
Amor que galga o cume ao paraíso.
Amor que dorme e treme. Que desperta
E torna contra mim, e me devora
E me rumina em cantos de vitória... "
Mário Faustino - (1930-1962)
Fonte: Antonio Miranda
domingo, 9 de dezembro de 2007
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
Ponho as cartas na mesa
"Anjo daltônico
Tempo da infância, cinza de borralho,
tempo esfumado sobre vila e rio
e tumba e cal e coisas que eu não valho,
cobre isso tudo em que me denuncio.
Há também essa face que sumiu
e o espelho triste e o rei desse baralho.
Ponho as cartas na mesa. Jogo frio.
Veste esse rei um manto de espantalho.
Era daltônico o anjo que o coseu,
e se era anjo, senhores, não se sabe,
que muita coisa a um anjo se assemelha.
Esses trapos azuis, olhai, sou eu.
Se vós não os vedes, culpa não me cabe
de andar vestido em túnica vermelha."
Jorge de Lima
Fonte: Projeto Releituras
Tempo da infância, cinza de borralho,
tempo esfumado sobre vila e rio
e tumba e cal e coisas que eu não valho,
cobre isso tudo em que me denuncio.
Há também essa face que sumiu
e o espelho triste e o rei desse baralho.
Ponho as cartas na mesa. Jogo frio.
Veste esse rei um manto de espantalho.
Era daltônico o anjo que o coseu,
e se era anjo, senhores, não se sabe,
que muita coisa a um anjo se assemelha.
Esses trapos azuis, olhai, sou eu.
Se vós não os vedes, culpa não me cabe
de andar vestido em túnica vermelha."
Jorge de Lima
Fonte: Projeto Releituras
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
Antes que acabe em nós
Árias Pequenas. Para Bandolim - Hilda Hilst
Antes que o mundo acabe, Túlio,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço israelita
E nos cobrimos de beijos
E de flores
Antes que o mundo se acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.
(Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) - Árias Pequenas. Para Bandolim - XI)
(Poesia: 1959-1979 - São Paulo: Quíron; [Brasília]: INL, 1980.)
Fonte: Hilda Hilst
Antes que o mundo acabe, Túlio,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço israelita
E nos cobrimos de beijos
E de flores
Antes que o mundo se acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.
(Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) - Árias Pequenas. Para Bandolim - XI)
(Poesia: 1959-1979 - São Paulo: Quíron; [Brasília]: INL, 1980.)
Fonte: Hilda Hilst
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
Qualquer vivia em uma como cidade
Qualquer vivia em uma como cidade
(com sinos abaixo tão flutuantes acima)
flores calor outono e frio
cantava seu sem dançava seu com
Mulheres e homens (os itos e os inhos)
nem queriam saber de qualquer
plantavam o não-ser colhiam seu mesmo
sol lua estrelas e chuva
Crianças supunham (mas só umas poucas
e p'ra baixo esqueciam ao p'ra cima crescer
outono frio flores calor)
que ninguém o amava mais por mais
Ela quando por já e planta por folha
dele ria a alegria carpia o pesar
ave por neve e ande por pare
o qualquer de qualquer era tudo para ela
Alguéns desposavam seus tudos
deles riam os choros cantavam a dança
(dormir acordar esperar e então)
diziam seus nuncas dormiam seus sonhos
Estrelas chuvas sol e lua
(e só essa neve começa a explicar
como crianças podem se esquecer de lembrar
com sinos abaixo tão flutuantes acima)
Um dia morreu qualquer eu acho
(e ninguém se abaixou para sua face beijar)
gente de afã os enterrou lado a lado
pouco a pouco e foi a foi
Tudo por tudo e fundo por fundo
e mais por mais eles sonham seu sono
qualquer e ninguém terra por flores
desejo por alma e o se pelo sim
Mulheres e homens (os dins e os dãos)
calor outono frio e flores
colheram o plantado e foram sua volta
sol lua estrelas e chuva.
e. e. cummings
(trad. Julio Pinto de (anyone lived in a pretty how town))
(com sinos abaixo tão flutuantes acima)
flores calor outono e frio
cantava seu sem dançava seu com
Mulheres e homens (os itos e os inhos)
nem queriam saber de qualquer
plantavam o não-ser colhiam seu mesmo
sol lua estrelas e chuva
Crianças supunham (mas só umas poucas
e p'ra baixo esqueciam ao p'ra cima crescer
outono frio flores calor)
que ninguém o amava mais por mais
Ela quando por já e planta por folha
dele ria a alegria carpia o pesar
ave por neve e ande por pare
o qualquer de qualquer era tudo para ela
Alguéns desposavam seus tudos
deles riam os choros cantavam a dança
(dormir acordar esperar e então)
diziam seus nuncas dormiam seus sonhos
Estrelas chuvas sol e lua
(e só essa neve começa a explicar
como crianças podem se esquecer de lembrar
com sinos abaixo tão flutuantes acima)
Um dia morreu qualquer eu acho
(e ninguém se abaixou para sua face beijar)
gente de afã os enterrou lado a lado
pouco a pouco e foi a foi
Tudo por tudo e fundo por fundo
e mais por mais eles sonham seu sono
qualquer e ninguém terra por flores
desejo por alma e o se pelo sim
Mulheres e homens (os dins e os dãos)
calor outono frio e flores
colheram o plantado e foram sua volta
sol lua estrelas e chuva.
e. e. cummings
(trad. Julio Pinto de (anyone lived in a pretty how town))
terça-feira, 13 de novembro de 2007
Audiobook em português IV
Baixe: Poemas de Fernando Pessoa
Ah, um Soneto
Aniversário
Auto psicografia
Cruz na Porta da Tabacaria
Esta Velha Angustia
Grandes são os Desertos
O Guardador de Rebanho parte VIII
O Menino da Sua mãe
O Monstrengo
Ode Triunfal
Poema em Linha Reta
Quando Era Jovem
Quero Ignorado
Se Te Queres Matar
Tenho do das Estrelas
Vem sentar-te comigo Lídia
Vem, Noite
Baixe: Poemas de Fernando Pessoa
Fonte: PDL
Ah, um Soneto
Aniversário
Auto psicografia
Cruz na Porta da Tabacaria
Esta Velha Angustia
Grandes são os Desertos
O Guardador de Rebanho parte VIII
O Menino da Sua mãe
O Monstrengo
Ode Triunfal
Poema em Linha Reta
Quando Era Jovem
Quero Ignorado
Se Te Queres Matar
Tenho do das Estrelas
Vem sentar-te comigo Lídia
Vem, Noite
Baixe: Poemas de Fernando Pessoa
Fonte: PDL
sábado, 10 de novembro de 2007
Uma falsificação criada por nós mesmos
“Certas emoções saltam por cima dos anos e estabelecem ligações inesperadas entre lugares diversos. Às vezes estas ligações chegam a fazer-nos perder a noção de onde estamos, e nos vemos sozinhos: o rapaz, o menino, a criança pequena. O mundo físico, que ainda continuamos a provar, parece-nos então uma falsificação criada por nós mesmos, que sempre conhecemos.”
V.S. Naipaul, Os mímicos.
V.S. Naipaul, Os mímicos.
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
O Cego
Baixe: Rainer Maria Rilke - Poemas
Baixe: Rainer Maria Rilke - Contos
"Ele caminha e interrompe a cidade,
que não existe em sua cela escura,
como uma escura rachadura
numa taça atravessa a claridade.
Sombras das coisas, como numa folha,
nele se riscam sem que ele as acolha:
só sensações de tacto, como sondas,
captam o mundo em diminutas ondas:
serenidade; resistência —
como se à espera de escolher alguém, atento,
ele soergue, quase em reverência,
a mão, como num casamento."
Baixe: Rainer Maria Rilke - Poemas
Baixe: Rainer Maria Rilke - Contos
Fonte: Portaldetonando
Baixe: Rainer Maria Rilke - Contos
"Ele caminha e interrompe a cidade,
que não existe em sua cela escura,
como uma escura rachadura
numa taça atravessa a claridade.
Sombras das coisas, como numa folha,
nele se riscam sem que ele as acolha:
só sensações de tacto, como sondas,
captam o mundo em diminutas ondas:
serenidade; resistência —
como se à espera de escolher alguém, atento,
ele soergue, quase em reverência,
a mão, como num casamento."
Baixe: Rainer Maria Rilke - Poemas
Baixe: Rainer Maria Rilke - Contos
Fonte: Portaldetonando
terça-feira, 6 de novembro de 2007
Canto dos Emigrantes
"Com seus pássaros
ou a lembrança de seus pássaros,
com seus filhos
ou a lembrança de seus filhos,
com seu povo
ou a lembrança de seu povo,
todos emigram.
De uma quadra a outra
do tempo,
de uma praia a outra
do Atlântico,
de uma serra a outra
das cordilheiras,
todos emigram.
Para o corpo de Berenice
ou o coração de Wall Street,
para o último templo
ou a primeira dose de tóxico,
para dentro de si
ou para todos, para sempre
todos emigram."
Alberto da Cunha Melo
Fonte: Plataforma Para Poesia
Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe
"O Prêmio Jabuti em seu momento Cágado, ameaçado por uma paroxítona...
E o 49º Prêmio Jabuti, conferido pela Câmara Brasileira do Livro, teve, quem diria?, o seu “momento cágado”, e ainda com ameaças paroxítonas a rondá-lo. Uma estrovenga chamada “Latinoamericana – Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe” recebeu o grande prêmio de “livro do ano de não-ficção”. Trata-se de uma parceria do Laboratório de Políticas Públicas, da Uerj, comandado por Emir Sader, e da Boitempo Editorial, editora comandada pela namorada de Emir, Ivana Jinkins. É um daqueles momentos em que há um casamento feliz entre o público e o privado... O “projeto” custou, ao todo, R$ 2,023 milhões. Vocês verão de onde saiu o dinheiro. E tudo isso para cantar as glórias passadas, presentes e futuras da esquerda “latinoamericana”. O Jabuti premia a mentira, o engodo, a mistificação ideológica e o lixo intelectual. E vou provar. E aceito que a Câmara Brasileira do Livro tente demonstrar que estou errado."
E o 49º Prêmio Jabuti, conferido pela Câmara Brasileira do Livro, teve, quem diria?, o seu “momento cágado”, e ainda com ameaças paroxítonas a rondá-lo. Uma estrovenga chamada “Latinoamericana – Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do Caribe” recebeu o grande prêmio de “livro do ano de não-ficção”. Trata-se de uma parceria do Laboratório de Políticas Públicas, da Uerj, comandado por Emir Sader, e da Boitempo Editorial, editora comandada pela namorada de Emir, Ivana Jinkins. É um daqueles momentos em que há um casamento feliz entre o público e o privado... O “projeto” custou, ao todo, R$ 2,023 milhões. Vocês verão de onde saiu o dinheiro. E tudo isso para cantar as glórias passadas, presentes e futuras da esquerda “latinoamericana”. O Jabuti premia a mentira, o engodo, a mistificação ideológica e o lixo intelectual. E vou provar. E aceito que a Câmara Brasileira do Livro tente demonstrar que estou errado."
Continue lendo no blog do Reinaldo Azevedo - Veja.com
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