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quinta-feira, 3 de abril de 2008

PRIMEIRO ENSAIO CRÍTICA HISTÓRICA: TEORIA DOS MODOS

"MODOS DA FICÇÃO: PREÂMBULO

No capítulo segundo da Poética, Aristóteles fala das diferenças nas obras de ficção, causadas pelas diferentes posições das personagens. Nalgumas ficções, diz ele, as personagens são melhores do que nós, em outras piores, em outras ainda ficam no mesmo plano. Esta passagem não tem recebido muita atenção por parte dos críticos modernos, pois a importância que Aristóteles atribui à bondade e à maldade parece indicar uma visão, até certo ponto, estreitamente moralística da literatura. As palavras de Aristóteles para bom e mau, contudo, são spoudaios e phaülos, que têm um sentido figurado de "importante" e "sem importância". Nas ficções literárias o enredo consiste em alguém fazer alguma coisa. O alguém, se indivíduo, é o herói, e a alguma coisa que ele faz ou deixa de fazer é o que ele pode fazer ou podia ter feito, no plano dos pressupostos estabelecidos, para ele, pelo autor, e das conseqüentes expectativas da audiência. As ficções, portanto, podem ser classificadas, não moralmente, mas pela força de ação do herói, que pode ser maior do que a nossa, menor ou mais ou menos a mesma. Assim:

1. Se superior em condição tanto aos outros homens como ao meio desses outros homens, o herói é um ser divino, e a estória sobre ele será um mito, no sentido comum de uma estória sobre um deus. Tais estórias ocupam um lugar importante em literatura, mas como regra situam-se fora das categorias literárias normais.

2. Se superior em grau aos outros homens e seu meio, o herói é o típico herói da estória romanesca, cujas ações são maravilhosas, mas que em si mesmo é identificado como um ser humano. O herói da estória romanesca move-se num mundo em que as leis comuns da natureza se suspendem ligeiramente: prodígios de coragem e persistência, inaturais para nós, são naturais para ele, e armas encantadas, animais que falam, gigantes e feiticeiras pavorosos, bem como talismãs de miraculoso poder, não violam regra alguma de probabilidade, uma vez que os pressupostos da estória romanesca foram fixados. Aqui passamos do mito propriamente dito para a lenda, o conto popular, o mãrchen e suas filiações e derivados literários.

3. Se superior em grau aos outros homens, mas não a seu meio natural, o herói é um líder. Tem autoridade, paixões e poderes de expressão muito maiores do que os nossos, mas o que ele faz sujeita-se tanto à crítica social como à ordem da natureza. Esse é o herói do modo imitativo elevado, da maior parte da epopéia e da tragédia, e é fundamentalmente a espécie de herói que Aristóteles tinha em mente.

4. Não sendo superior aos outros homens e seu meio, o herói é um de nós: reagimos a um senso de sua humanidade comum, e pedimos ao poeta os mesmos cânones de probabilidade que notamos em nossa experiência comum. Isso nos dá o herói do modo imitativo baixo, da maior parte da comédia e da ficção realística. "Elevado" e "baixo" não têm conotações de valor comparativo, mas são puramente diagramáticos, como "high" e "low" o são, quando se referem aos críticos bíblicos ou aos anglicanos. Neste plano, a dificuldade de manter a palavra "herói", que tem um sentido mais limitado nos modos precedentes, ocasionalmente impressiona algum autor. Assim Thackeray sente-se obrigado a chamar Vanity Fair um romance sem herói.

5. Se inferior em poder ou inteligência a nós mesmos, de modo que temos a sensação de olhar de cima uma cena de escravidão, malogro ou absurdez, o herói pertence ao modo irônico. Isso é verdade mesmo quando o leitor sente que está ou podia estar na mesma situação, pois a situação está sendo julgada com maior independência.

Examinando esse rol, podemos ver que a ficção européia, durante os últimos quinze séculos, desceu constantemente seu centro de gravidade, lista abaixo. No período da literatura pré-medieval, prende-se ela estreitamente aos mitos cristãos, clássicos tardios, célticos ou teutônicos. Se o cristianismo não tivesse sido tanto um mito importado como um devorador de rivais, essa fase da literatura ocidental seria mais fácil de isolar. Na forma em que a possuímos, sua maior parte já passou para a categoria da estória romanesca. A estória romanesca divide-se em duas formas principais: uma forma secular, que trata da cavalaria e do paladinismo, e uma forma religiosa, devotada às lendas de santos. Ambas apóiam-se pesadamente em miraculosas violações da lei natural, para beneficiar-se como estórias. As ficções romanescas dominam a literatura até o culto do príncipe e do cortesão, no Renascimento, trazer ao primeiro plano o modo imitativo elevado. As características desse modo são clarissimamente vistas nas espécies do drama, particularmente na tragédia, e na epopéia nacional. Depois, um novo tipo de cultura da classe média introduz o imitativo baixo, que, na literatura inglesa, predomina do tempo de Defoe até o fim do século XIX. Na literatura francesa, começa e termina cerca de cinqüenta anos antes. Durante os últimos cem anos, a ficção mais séria tendeu crescentemente a ser do modo irônico.

Algo da mesma progressão pode ser também acompanhado na literatura clássica, de forma grandemente reduzida. Onde uma religião é mitológica e politeísta, onde há corporificações promíscuas, heróis deificados e reis de descendência divina, onde o mesmo adjetivo "divino" pode ser aplicado a Zeus ou a Aquiles, dificilmente se poderá separar completamente as faixas mítica, romanesca e imitativa elevada. Onde a religião é teológica e acentua uma divisão pronunciada entre as naturezas divina e humana, o romanesco se isola mais claramente, como se vê nas lendas da cavalaria e da santidade cristãs, nas Mil e Uma Noites muçulmanas, nas estórias dos juízes e dos profetas taumaturgos de Israel. Semelhantemente, a incapacidade do mundo clássico, de livrar-se do líder divino, em seu período tardio, tem muito em comum com o desenvolvimento imaturo dos modos imitativo baixo e irônico, que mal se iniciaram com a sátira romana. Ao mesmo tempo, a instituição do modo imitativo elevado, o desenvolvimento de uma tradição literária com o sentido coerente, dentro dela, de uma ordem da natureza, é uma das grandes façanhas da civilização grega. A ficção oriental, tanto que eu saiba, não se afasta muito das fórmulas mítica e romanesca.

Cuidaremos aqui principalmente das cinco épocas da literatura ocidental, como atrás demarcadas, usando paralelos clássicos apenas incidentalmente. Em cada modo será útil uma distinção entre a literatura ingênua e a exigente. A palavra "ingênuo", tomo-a do ensaio de Schiller sobre a poesia ingênua e sentimental: quero dizer com ela, contudo, primitivo ou popular, enquanto em Schiller soa um tanto mais como clássico. A palavra "sentimental" também significa algo mais em inglês, mas não temos bastantes termos críticos genuínos para prescindir dela. Com aspas, portanto, "sentimental" se refere a uma recriação posterior de um modo mais antigo. Assim o Romantismo é uma forma "sentimental" do romanesco, e o conto de fadas, na maior parte, uma forma "sentimental" do conto popular. Há também uma distinção geral entre ficções nas quais o herói se isola de sua sociedade, e ficções nas quais ele se incorpora nela. Esta distinção é exprimida pelas palavras "trágico" e "cômico", quando se referem a aspectos do enredo em geral e não simplesmente a formas de drama."

FRYE, Northrop. Anatomia da Crítica.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Crítica Arquetípica: Teoria dos Mitos

"Quanto à sociedade humana, a metáfora de que somos todos membros de um corpo tem estruturado a maior parte da teoria política de Platão aos nossos dias. A afirmação de Milton de que "Uma Comunidade devia ser apenas como uma pessoa cristã, com um forte desenvolvimento e a estatura de um homem digno" pertence a uma versão cristianizada dessa metáfora, na qual, como na doutrina da Trindade, a asseveração metafórica completa "Cristo é Deus e Homem" é ortodoxa, e as afirmações arianas e docéticas em termos de comparação ou semelhança, condenadas como heresias. O Leviathan de Hobbes, com seu frontispício original pintando certa quantidade de homúnculos dentro do corpo de um gigante, também se liga, de certo modo, ao mesmo tipo de identificação. A República de Platão, onde o entendimento, a vontade e o desejo do indivíduo surgem como o rei-filósofo, os guardas e os artesãos do Estado, também se funda nessa metáfora, que de fato ainda usamos, sempre que nos referimos a um grupo ou reunião de seres humanos como a um "corpo".

No simbolismo sexual, naturalmente, é mais fácil usar a metáfora "uma só carne" com referência a dois corpos unidos no mesmo corpo pelo amor. The Extasie (O Êxtase) de Donne é um dos muitos poemas baseados nessa imagem, e o Phoenix and the Turtle (A Fênix e a Rola) joga bastante com o abuso cometido contra a razão por essa identidade. Os temas da lealdade, culto do herói, servidores fiéis, e semelhantes, empregam também tal metáfora.

Os mundos animal e vegetal identificam-se um com o outro, e também com os mundos divino e humano, na doutrina cristã da transubstanciação, na qual as formas humanas essenciais do mundo vegetal, a comida e a bebida, a colheita e a vindima, o pão e o vinho, são o corpo e o sangue do Cordeiro, que é também Homem e Deus, e em cujo corpo existimos como numa cidade ou num templo. Ainda aqui a doutrina ortodoxa insiste na metáfora por oposição ao símile, e ainda aqui o conceito de substância ilustra as lutas da Lógica a fim de assimilar a metáfora. Transparece do início das Leis que o simpósio tinha algo do mesmo simbolismo comunial para Platão. Seria difícil encontrar uma imagem mais simples ou mais vívida da civilização humana: nela o homem tenta fechar a natureza e pô-la dentro de seu corpo (social), em vez da refeição sacramental.

As honras convencionais concedidas à ovelha no mundo animal fornecem-nos o arquétipo básico das imagens pastorais, e também metáforas como "pastor" e "rebanho" na religião. A metáfora do rei como pastor de seu povo remonta ao antigo Egito. Talvez o emprego dessa convenção específica seja devida ao fato de que, por estúpidas, meigas, gregárias e facilmente marcadas, as sociedades formadas pelas ovelhas são muito semelhantes às humanas. Mas naturalmente qualquer outro animal seria útil em poesia, se a audiência do poeta estivesse preparada para ele: no início do Brihadaranyaka Upanishad, por exemplo, o cavalo sacrifical, cujo corpo contém todo o universo, é tratado da mesma forma que um poeta cristão trataria o Cordeiro de Deus. Também entre os pássaros a pomba tem representado tradicionalmente a concórdia universal ou amor, tanto de Vênus como do Espírito Santo cristão. As identificações de deuses com animais ou plantas e destes com a sociedade humana formam a base do simbolismo totêmico. Certos tipos de conto popular etiológico, as estórias de como seres sobrenaturais se transformaram nos animais e nas plantas que conhecemos, representam uma forma atenuada do mesmo tipo de metáfora, e sobrevivem como o arquétipo da "metamorfose", familiar em razão de Ovídio."

FRYE, Northrop - Anatomia da Crítica.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Crítica literária

"Descobrimos que a teoria crítica dos gêneros parou precisamente onde Aristóteles deixou-a."

Northrop Frye - Anatomia da crítica (1957)