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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Desconstrucionismo e o problema do conceito de verdade

"O desconstrucionismo é o método filosófico por excelência dos pensadores posmodernos, ainda que seu inventor, o francês Jacques Derrida (n.1930), negue que se trate de um método. O desconstrucionismo é uma prática de leitura baseada em uma hermenêuticade suspeita em que o texto é entendido a partir da sua auto-desintegração teórica. A desconstrução implica na subversão, na descentralização de qualquer origem perceptível de discursos autoritativos associados à "metanarrativas", isto é, macroestruturas teóricas como, por exemplo, sistemas filosóficos e teológicos. As metanarrativas são desconstruídas através de uma "arqueologia do conhecimento" e de uma "tipologia dos discursos".

O posmodernismo rejeita e busca desconstruir qualquer noção de verdade que se proponha unitária, absoluta, universal, ou mesmo coerente. Entretanto, há muito tempo que a filosofia "desconstruiu" a noção clássica de verdade: o que temos hoje são diferentes teorias sobre a verdade, como o correspondentismo, o coerentismo, o verificacionismo, o pragmatismo de William James (1842-1910), o semanticismo de A.Tarski, etc. Martin Heidegger (1889-1976) dizia que a verdade como nós a entendemos é uma invenção dos gregos. A-letheia é descobrir aquilo que jaz oculto na memória (lethe = esquecimento), é lembrar-se daquilo que o burburinho das idéias e opiniões nos fez esquecer.

Mas desde os tempos de Platão o ser humano se esqueceu disso, e o pensamento ocidental passou a encarar a verdade como se fosse algo à nossa disposição. Portanto, propor uma redefinição da idéia moderna de verdade não é nada novo na história da filosofia, e mais uma vez a originalidade posmoderna pode ser questionada.

Leia o artigo completo: A morte e a Morte da Modernidade: Quão Pós-moderno é o Posmodernismo - Ricardo Quadros Gouvêa

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

A igualdade não pode existir em lugar nenhum


Baixe o livro - A Crise do Mundo Moderno - René Guénon

"Como foi dito há pouco, já ninguém se encontra, no presente estado do Mundo ocidental, no lugar que lhe convém normalmente em virtude da sua própria natureza. É isso que exprimimos ao dizer que as castas já não existem, porque a casta, entendida no seu verdadeiro sentido tradicional, é simplesmente a própria natureza individual, com todo o conjunto das aptidões especiais que ela comporta e que predispõem cada homem ao cumprimento desta ou daquela função determinada. Como o acesso a certas funções já não se encontra submetido a qualquer regra legítima, daí resulta, inevitavelmente, que cada um será levado a fazer seja o que for e, muitas vezes, precisamente aquilo para o que se encontra menos qualificado. O papel que desempenhará na sociedade será determinado não pelo acaso, que na realidade não existe, mas pelo que pode dar a ilusão do acaso, ou seja, pela confusão de todas as espécies de circunstâncias acidentais. O que intervirá menos aí será precisamente o único fator que deveria contar em semelhante caso, isto é, as diferenças de natureza que existem entre os homens. A causa de toda esta desordem é a negação dessas mesmas diferenças, arrastando consigo a de toda a hierarquia social. Tal negação foi, a princípio, talvez pouco consciente e mais prática que teórica, porque a confusão das castas precedeu a sua supressão completa ou, por outras palavras, desprezou-se a natureza dos indivíduos antes de se chegar a ponto de não fazer qualquer caso dela. Mais tarde, no entanto, ela foi erigida pelos modernos em pseudo-princípio sob nome de “igualdade”.

Seria muito fácil mostrar que a igualdade não pode existir em lugar nenhum, pela simples razão de que não poderia haver dois seres que fossem ao mesmo tempo realmente distintos e inteiramente semelhantes entre si sob todos os aspectos. Seria fácil também salientar todas as conseqüências absurdas que decorrem dessa idéia quimérica, em nome da qual se pretende impor por toda parte uma completa uniformidade, por exemplo distribuindo a todos ensino idêntico, como se todos fossem igualmente aptos a compreender as mesmas coisas e como se para as fazer compreender os mesmos métodos conviessem a todos indistintamente. Pode-se, aliás, perguntar se não se trata mais de “aprender” do que de “compreender” realmente, ou seja, se a memória não é substituta da inteligência na concepção inteiramente verbal e “livresca” do ensino atual, em que se visa apenas a acumulação de noções rudimentares e heteróclitas, e em que a qualidade é inteiramente sacrificada à quantidade, tal como se produz por toda a parte, no Mundo Moderno, por razões que explicarei mais completamente a seguir: é sempre a dispersão na multiplicidade.

Haveria, a este respeito, muitas coisas a dizer acerca dos malefícios do “ensino obrigatório”; mas este não é o lugar para insistir nesse aspecto, e, para não sair do quadro traçado, contento-me em assinalar de passagem essa conseqüência especial das teorias “igualitárias”, como um dos numerosos elementos de desordem atuais.

Naturalmente, quando nos encontramos em presença de uma idéia como a de “igualdade” ou como a de “progresso”, ou como os outros “dogmas laicos” que quase todos os nossos contemporâneos aceitam cegamente, e a maior parte dos quais começou a se formular claramente no decorrer do século 18, não nos é possível admitir que tais idéias tenham nascido espontaneamente. Tratase de verdadeiras “sugestões” no sentido mais estrito desta palavra, que, aliás, não podiam produzir o seu efeito senão num meio já preparado para recebê-las; elas não criaram inteiramente o estado de espírito que caracteriza a época moderna, mas contribuíram largamente para o criar e desenvolver até um ponto que sem dúvida não teria alcançado sem elas. Se estas sugestões desaparecessem, a mentalidade geral estaria muito perto de mudar de orientação; é por isso que elas são tão cuidadosamente sustentadas por todos aqueles que têm qualquer interesse em manter a desordem, senão em agravá-la ainda mais, e é também a razão pela qual, numa época em que se pretende submeter tudo à discussão, elas são as únicas coisas que nunca é permitido discutir. É, aliás, difícil determinar exatamente o grau de sinceridade daqueles que se fazem propagadores de semelhantes idéias, saber em que medida certos homens chegam a agarrar-se às suas próprias mentiras e a sugestionar-se a si próprios sugestionando os outros; e mesmo numa propaganda deste tipo aqueles que desempenham um papel de enganados são muitas vezes os melhores instrumentos, porque lhe dão uma convicção que os outros teriam alguma dificuldade em simular e que é facilmente contagiosa. Mas por detrás de tudo isso, e pelo menos na origem, é necessária uma ação muito mais consciente, uma direção que só pode provir de homens que sabem perfeitamente a que se referem as idéias que eles assim põem a circular. Falo de “idéias”, mas tal palavra só impropriamente pode ser aplicada neste caso, porque é bem evidente que não se trata de modo algum de idéias puras, nem mesmo de algo que pertença de perto ou de longe à ordem intelectual. Pode-se dizer que são idéias falsas, mas mais valeria ainda chamar-lhes “pseudo-idéias” destinadas principalmente a provocar reações sentimentais, o que é efetivamente o meio mais eficaz e mais fácil para agir sobre as massas.

Neste aspecto, a palavra tem, aliás, uma importância maior do que a noção que supostamente representa e, na sua maior parte, os “ídolos” modernos não passam de palavras, porque se produz neste caso esse singular fenômeno conhecido pelo nome de “verbalismo”, em que a sonoridade das palavras basta para dar a ilusão do pensamento. A influência que os oradores exercem sobre as multidões é particularmente característica sob este aspecto, e não há necessidade de estudá-la de muito perto para se dar conta que se trata de um processo de sugestão comparável ao dos hipnotizadores. Mas, sem estender mais estas considerações, voltemos às conseqüências que traz consigo a negação de toda verdadeira hierarquia e notemos que, no estado atual das coisas, não apenas um homem só cumpre a sua função própria em casos excepcionais e como por acidente – enquanto é o contrário que deveria normalmente ser a exceção –, mas ainda acontece que o mesmo homem seja chamado a exercer sucessivamente funções todas elas diferentes, como se ele pudesse mudar de aptidões à sua vontade."

René Guénon


Baixe o livro - A Crise do Mundo Moderno - René Guénon


Fonte: Philosophia Perennis

domingo, 27 de janeiro de 2008

Crítica Arquetípica: Teoria dos Mitos

"Quanto à sociedade humana, a metáfora de que somos todos membros de um corpo tem estruturado a maior parte da teoria política de Platão aos nossos dias. A afirmação de Milton de que "Uma Comunidade devia ser apenas como uma pessoa cristã, com um forte desenvolvimento e a estatura de um homem digno" pertence a uma versão cristianizada dessa metáfora, na qual, como na doutrina da Trindade, a asseveração metafórica completa "Cristo é Deus e Homem" é ortodoxa, e as afirmações arianas e docéticas em termos de comparação ou semelhança, condenadas como heresias. O Leviathan de Hobbes, com seu frontispício original pintando certa quantidade de homúnculos dentro do corpo de um gigante, também se liga, de certo modo, ao mesmo tipo de identificação. A República de Platão, onde o entendimento, a vontade e o desejo do indivíduo surgem como o rei-filósofo, os guardas e os artesãos do Estado, também se funda nessa metáfora, que de fato ainda usamos, sempre que nos referimos a um grupo ou reunião de seres humanos como a um "corpo".

No simbolismo sexual, naturalmente, é mais fácil usar a metáfora "uma só carne" com referência a dois corpos unidos no mesmo corpo pelo amor. The Extasie (O Êxtase) de Donne é um dos muitos poemas baseados nessa imagem, e o Phoenix and the Turtle (A Fênix e a Rola) joga bastante com o abuso cometido contra a razão por essa identidade. Os temas da lealdade, culto do herói, servidores fiéis, e semelhantes, empregam também tal metáfora.

Os mundos animal e vegetal identificam-se um com o outro, e também com os mundos divino e humano, na doutrina cristã da transubstanciação, na qual as formas humanas essenciais do mundo vegetal, a comida e a bebida, a colheita e a vindima, o pão e o vinho, são o corpo e o sangue do Cordeiro, que é também Homem e Deus, e em cujo corpo existimos como numa cidade ou num templo. Ainda aqui a doutrina ortodoxa insiste na metáfora por oposição ao símile, e ainda aqui o conceito de substância ilustra as lutas da Lógica a fim de assimilar a metáfora. Transparece do início das Leis que o simpósio tinha algo do mesmo simbolismo comunial para Platão. Seria difícil encontrar uma imagem mais simples ou mais vívida da civilização humana: nela o homem tenta fechar a natureza e pô-la dentro de seu corpo (social), em vez da refeição sacramental.

As honras convencionais concedidas à ovelha no mundo animal fornecem-nos o arquétipo básico das imagens pastorais, e também metáforas como "pastor" e "rebanho" na religião. A metáfora do rei como pastor de seu povo remonta ao antigo Egito. Talvez o emprego dessa convenção específica seja devida ao fato de que, por estúpidas, meigas, gregárias e facilmente marcadas, as sociedades formadas pelas ovelhas são muito semelhantes às humanas. Mas naturalmente qualquer outro animal seria útil em poesia, se a audiência do poeta estivesse preparada para ele: no início do Brihadaranyaka Upanishad, por exemplo, o cavalo sacrifical, cujo corpo contém todo o universo, é tratado da mesma forma que um poeta cristão trataria o Cordeiro de Deus. Também entre os pássaros a pomba tem representado tradicionalmente a concórdia universal ou amor, tanto de Vênus como do Espírito Santo cristão. As identificações de deuses com animais ou plantas e destes com a sociedade humana formam a base do simbolismo totêmico. Certos tipos de conto popular etiológico, as estórias de como seres sobrenaturais se transformaram nos animais e nas plantas que conhecemos, representam uma forma atenuada do mesmo tipo de metáfora, e sobrevivem como o arquétipo da "metamorfose", familiar em razão de Ovídio."

FRYE, Northrop - Anatomia da Crítica.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Análise do marxismo

"A ingenuidade dialéctica de certos marxistas se manifesta em raciocínios como este:

A é operário, é a afirmação, é a tese. B é o patrão, o capitalista, a antítese. Mas A é inseparável de B, e B inseparável de A, pois são as relações entre ambos, A e B, que formam A e B. A pessoa de A está fundida em B, de forma que B, nesse momento, passa a ser negação de B que era negação, e porque afirma A, passa portanto a ser negação da negação. A leitura do Organon de Aristóteles esclareceria bem tais aspectos dos chamados contrários correlativos.

Marx jamais raciocinaria assim. É da fatalidade de certos mestres certos discípulos...

Se os marxistas meditassem mais sobre as diversas contribuições dialécticas, vindas de outras origens, evitariam certos erros interpretativos da história que os tornaram os mais acabados profetas malogrados dos factos. Quem se debruça sobre o pensamento socialista, desde logo observa que os marxistas, apesar de toda a sua convicção de verdade, foram, na crítica, constantemente errados. Leiam-se as obras de Lenine, Marx e Engels, etc., e verificar-se-á, nelas, o número exagerado de vezes em que se lêem palavras como estas: "nessa época estávamos errados..."

Mário Ferreira dos Santos - Lógica e Dialéctica

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Reflexões sobre o progresso da verdadeira metafísica e particularmente sobre a natureza da substância explicada pela força

G. W. Leibniz
(1694)Fonte: GERHARDT, C.I. (org.) Die Philosophischen Schriften von Leibniz. 7 vols. Hildesheim: Olms. 1977


(1) Observo que muitas pessoas que têm satisfação com a ciência das matemáticas não possuem inclinação para meditações metafísicas; encontram esclarecimento em uma e escuridão em outra. A principal causa disso parece ser aquelas noções gerais que pensam conhecer tão bem, mas que se têm tornado ambíguas e obscuras em virtude da negligência e do modo inconsistente pelo qual essas pessoas se expressam. E as definições ordinárias longe de expressarem a natureza das coisas, nem mesmo expressam os significados (meanings) das palavras. Esse problema tem se expandido a outras disciplinas que estão subordinadas de vários modos a essa primeira ciência. Assim, em lugar de definições claras, temos dado distinções triviais e, em lugar de axiomas universais, temos apenas regras particulares que quase encontram tantas exceções quanto exemplos. Mas, simultaneamente, as pessoas são obrigadas a utilizar termos metafísicos todo o tempo e, ao crescerem, se convencem de que entendem as palavras que costumeiramente utilizam. Essas pessoas estão sempre falando sobre substância, acidente, causa, ação, relação ou ratio e diversos outros termos dos quais, contudo, ainda não formaram, de modo claro, os verdadeiros significados pois esses são ricos em excelentes verdades, ao passo que são estéreis aqueles outros que lhes temos dado. Esta é a razão pela qual não nos deveríamos surpreender que essa primeira ciência, que é denominada “filosofia primeira” e que Aristóteles qualificou de “ciência que estamos procurando”, ainda está para ser averiguada.

(2) Platão está freqüentemente interessado, em seus diálogos, em investigar a riqueza dessas noções enquanto Aristóteles faz o mesmo nos livros da Metafísica. Contudo, parece que não obtiveram progresso. Já os neoplatônicos, falavam de um modo tão misterioso que acabaram sendo levados à absurdidade; e os escolásticos encontravam-se mais interessados em levantar questões que em respondê-las: deveriam ter o auxílio de um Gellius, aquele magistrado romano que, segundo Cícero, chegou a oferecer seus serviços aos filósofos de Atenas na esperança de resolver as suas disputas por meio de algo semelhante a um processo judicial. Em nossa própria época, muitos excelentes homens têm ampliado seus interesses pela metafísica mas, até agora, sem grande sucesso. Deve-se admitir, ainda assim, que o senhor Descartes realizou algo de importante aqui: ele restaurou os esforços de Platão em livrar a mente de sua escravidão aos sentidos e o fez utilizando-se das dúvidas dos céticos da última Academia. Mas tendo sido tão precipitado em suas afirmações e não tendo distinguido suficientemente bem a certeza da incerteza, ele não alcançou seu propósito. Possuía ele uma idéia errada da natureza do corpo que, sem prova, entendia como sendo extensão pura e não pôde entender de modo algum a união da alma com o corpo. Isso se deve à não compreensão da natureza da substância em geral; ele como que passa bruscamente ao exame de difíceis questões sem ter explicado as partes que as compõem. A natureza dúbia de suas Meditações não poderia ser entendida mais claramente do modo como está em uma pequena obra na qual tenta, a pedido do padre Mersenne, condensá-las em forma de demonstrações. A obra está incluída em meio às suas Réplicas às Objeções (CSMK II, 92, 113 ss).

(3) Há outros homens que têm tido algumas profundas reflexões. Mas falta-lhes clareza; que é, todavia, ainda mais necessária aqui que nas matemáticas. Nestas, as verdades trazem consigo as suas provas e é o fato de que podemos sempre examiná-las que lhes tem dado tanta certeza. Esse é o motivo pelo qual a metafísica, carecendo de tais provas, necessita de um novo modo de tratamento das coisas; algo que irá substituir a conjectura; algo que servirá como um fio de Ariadne através do labirinto e que conterá acessibilidade comparável àquela encontrada no modo de falar mais popular.

(4) A importância dessas investigações será vista no que temos a dizer acerca da noção de substância. A idéia que tenho dela é tão preciosa que dela resultam muitas das mais importantes verdades a respeito de Deus, da alma e da natureza do corpo e que são geralmente não só desconhecidas como não provadas. Para esclarecer essa noção, aqui direi que a reflexão sobre o conceito de força (à qual atribuí uma ciência especial que pode ser denominada Dinâmica) é de grande auxílio para a compreensão da natureza da substância. Essa força ativa é diferente da faculdade dos escolásticos, que consiste apenas em uma possibilidade aproximada de ação e que nela mesma está morta, por assim dizer, e inativa, a menos que seja excitada por algo exterior a ela. Mas a força ativa envolve uma enteléquia, ou uma atividade; está a meio caminho entre uma faculdade e uma ação, além de conter em si mesma um certo esforço ou conatus. É levada à ação por si mesma sem qualquer necessidade de auxílio, desde que nada a impeça. Tudo isso pode ser esclarecido pelo exemplo de um corpo pesado suspenso ou por um arco flexionado; pois embora seja verdadeiro que a força peso e a força elástica devam ser explicadas mecanicamente pelo movimento de matéria etérea, é, todavia, também verdadeiro que a razão última para o movimento da matéria é a força dada na criação, que existe em todos os corpos mas que de certo modo está constrangida pelas interações mútuas dos corpos. Sustento que esse poder de ação existe em todas as substâncias e que, de fato, sempre produz alguma atividade real e que um corpo por si mesmo jamais está perfeitamente em repouso – o que está em desacordo com a idéia daqueles que vêem o corpo como extensão, unicamente. Também será visto destas meditações, que uma substância jamais recebe sua força de uma outra substância criada; o que de lá provém é tão somente o constrangimento ou determinação que dá origem à força secundária ou o que é denominado força movente e que não deve ser confundida com aquilo que determinados autores denominam impetus, que avaliam pela quantidade de movimento e tornam proporcional à velocidade, quando os corpos são idênticos. Ao contrário, a força movente, que é absoluta e vital, ou seja, aquela que é sempre conservada, é proporcional aos possíveis efeitos que dela se originam (ver Discurso de Metafísica § 17 e Ensaio de Dinâmica §§ 25-26). Isso é onde os cartesianos estavam enganados ao pensarem que a mesma quantidade de movimento é conservada nos encontros entre os corpos. E noto que o senhor Huygens concorda comigo neste ponto, em conformidade com o que afirmou, há tempos, em Histoire des ouvrages des savants: que a mesma força de elevação é sempre conservada.

(5) Finalmente, um dos pontos mais importantes a ser esclarecido por essas meditações é aquele acerca da comunicação entre as substâncias e da união entre a alma e o corpo. Espero que esse grande problema seja de tal modo resolvido, e de maneira clara, que sirva por si mesma como uma prova de que encontramos a chave para parte dessas questões. Não penso que haja qualquer maneira de dar uma explicação alternativa sem referência a uma extraordinária congregação da causa primeira com os costumeiros mecanismos das causas secundárias. Porém, falarei mais a esse respeito em outra oportunidade...


Fonte: Leibniz Brasil

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

A filosofia moderna, dentro de todas as suas diferenças, esteve montada sobre quatro conceitos que a meu modo de ver são quatro falsas substantivações


Prólogo do livro - Naturaleza, Historia, Dios - Zubiri, Xavier

"A filosofia moderna, dentro de todas as suas diferenças, esteve montada sobre quatro conceitos que a meu modo de ver são quatro falsas substantivações: o espaço, o tempo, a consciência, o ser. Pensou-se que as coisas estão no tempo e no espaço, que são todas apreendidas em atos de consciência, e que sua entidade é um momento do ser. Agora bem, a meu modo de ver isto é inadmissível. O espaço, o tempo, a consciência, o ser, não são quatro receptáculos das coisas, mas tão somente caracteres das coisas que são já reais. [...] As coisas reais não estão no espaço nem no tempo como pensava Kant (seguindo a Newton), mas são espaçosas e temporais, algo muito distinto de estar no tempo e no espaço. A intelecção não é um ato de consciência como pensa Husserl. A fenomenologia é a grande substantivação da consciência que corre na filosofia moderna desde Descartes. Entretanto, não há consciência; há tão somente atos conscientes. Esta
substantivação se havia introduzido já em grande parte da psicologia do final do século XIX. [...] A psicanálise conceituou o homem e sua atividade referindo-se sempre à consciência. Assim nos fala “da” consciência, “do” inconsciente, etc. O homem será em última instância uma estratificação de zonas qualificadas com respeito à consciência. Esta substantivação é inadmissível. Não existe “a” atividade da consciência, não existe “a” consciência, nem “o” inconsciente, nem “a” subconsciência; há somente atos conscientes, inconscientes e subconscientes. Mas não são atos da consciência nem do inconsciente nem da subconsciência.
Heidegger deu um passo mais. Ainda que em forma própria (que nunca chegou a conceituar nem a definir), levou a cabo a substantivação do ser. Para ele, as coisas são coisas em e pelo ser; as coisas são por isto entes. Realidade não seria senão um tipo de ser. É a velha idéia do ser real, esse reale. Mas o ser real não existe. Só existe o real sendo, realitas in essendo, diria eu. O ser é tão só um momento da realidade.

Frente a estas quatro gigantescas substantivações, do espaço, do tempo, da consciência e do ser, tentei uma idéia do real anterior àquelas. Foi o tema de meu livro Sobre la esencia (Madrid, 1962): a filosofia não é filosofia nem da objetividade nem do ente, não é fenomenologia nem ontologia, mas é filosofia do real enquanto real, é metafísica. Por sua vez, a intelecção não é consciência, mas é mera atualização do real na inteligência senciente. "


Prólogo do livro - Naturaleza, Historia, Dios.

Zubiri, Xavier (1898-1983)

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Refúgios da esquerda

"Com a queda súbita do muro de Berlim e a debacle irreparável do chamado "socialismo real", é compreensível que os esquerdistas tenham caído em orfandade, pois, até então se abrigavam na fortaleza do marxismo, o qual, no dizer de Raymond Aron, foi, durante quase meio século, o "ópio dos intelectuais".

Houve um primeiro momento de perplexidade e mesmo de desespero, mas, como é natural, os ex-adoradores de Marx passaram logo a rever suas posições, procurando novos refúgios para suas pretensões e atividades, recorrendo, se possível, a novas ideologias.

Nesse sentido, duas vias foram preferidas. A mais importante delas, e a mais consciente e honesta, foi propiciada pelos exageros do neoliberalismo, cujos adeptos, não contentes com a verificação de que o capitalismo era uma "realidade" perante a "ilusão" marxista, pretenderam não só minimizar a competência dos Estados nacionais, mas também reduzir toda a ação política aos problemas econômico-financeiros, com o olvido dos valores sociais, até o ponto de julgarem a justiça social uma expressão "meaningless", ou seja, desprovida de sentido.

Foi mérito, primeiro, dos trabalhistas britânicos de Tony Blair e, depois, dos socialistas franceses de Lionel Jospin assumir uma posição de equilíbrio, reconhecendo, de um lado, a vitória irretorquível de dois valores do liberalismo - o da livre iniciativa como fator primordial do desenvolvimento, e a falência do Estado como empresário - e, de outro, a necessidade de infundir socialidade nas artérias da economia liberal. Essas opções já vinham, em última análise, coincidir com a tese já levantada pelos defensores do "social-liberalismo", segundo o qual não é possível deixar o destino do homem e da sociedade entregue aos dados do mercado, isto é, à livre e incontrolada competição dos interesses individuais, tida ilusoriamente como fonte perene de bem-estar social.

Pois bem, se as forças mais responsáveis da esquerda souberam fazer sua necessária autocrítica, firmando novas bases de ação política, o esquerdismo irresponsável preferiu optar por soluções demagógicas, graças à utilização tática de algumas idéias em vigor, suscetíveis de exploração fácil e atraente.

Essa idéias convertidas em fulcro das atividades políticas e proclamadas como sendo as únicas representativas da cultura e da dignidade humana são, principalmente, a ecológica, ou da defesa do meio ambiente; a do anti-racismo, ou a luta pela igualdade étnica; e a da igualdade total dos sexos, visando sobretudo o reconhecimento dos direitos iguais dos gays.

É claro que ninguém há que não reconheça o que há de procedente em cada um desses movimentos, mas uma coisa é reconhecer a legitimidade dos valores em que se baseiam, e outra coisa é pretender convertê-los, demagogicamente, em objetos únicos da vida individual e coletiva. Quando um valor é exacerbado, até o ponto de tudo ser reduzido a seus parâmetros, está aberto o campo para o extremismo ideológico, com perda do senso de sereno equilíbrio que nos deve orientar para sabermos o que é ou não lícito defender com plena liberdade.

O certo é que a ideologização dos três valores acima discriminados, sempre com a malícia e a irresponsabilidade próprias da "esquerda festiva", já está ameaçando, também no Brasil, a causa da liberdade, sem a qual nenhum valor subsiste, visto tornar-se impossível a sua natural ou espontânea realização, em prejuízo da democracia, a qual não se compreende sem o convívio de idéias divergentes ou contrárias.

Foi o que aconteceu, há poucos dias, em lamentável episódio ocorrido na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, onde três estudantes foram covardemente espancados a pretexto de racismo, somente por terem publicado um jornal com o título de O Indivíduo, em reação contra certas pregações coletivistas com que se procura mascarar o renitente esquerdismo marxista.

O pior é que os dirigentes da PUC não titubearam em apoiar os agressores, somente para parecerem libertos de preconceitos conservadores ou arcaicos, ganhando o aplauso dos mais fortes ou numerosos, que se autoproclamam senhores da verdade. Não é a primeira vez que a PUC do Rio de Janeiro é vítima do que costumo denominar "complexo de Torquemada", isto é, da má consciência que alguns católicos têm em razão de conhecidos abusos perpetrados, no passado, pela Igreja contra a liberdade de pensamento, fatos esses que de resto devem ser objetivamente apreciados em razão dos valores culturais dominantes na época histórica, ainda que insuscetíveis de plena justificação.

É necessário, pois, que os homens de responsabilidade tomem posição imediata contra certas atitudes de violento inconformismo que estão surgindo no País, a pretexto de novas reivindicações ideológicas, exigindo que se contraponham idéias contra idéias, e não o uso da força bruta contra convicções que nos pareçam insustentáveis. Sem tolerância, em suma, não há democracia, porque ela é o respaldo insubstituível da liberdade democrática."

Miguel Reale é jurista, filósofo, membro da Academia Brasileira de Letras e
ex-reitor da USP.

Transcrito do JORNAL DA TARDE de 08 de dezembro de 1997.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

A fim de evitar os costumeiros erros praticados por filósofos menores...

"Na Filosofia moderna, o termo conceito, por influência de Descartes e de Port Royal, foi substituído pelo termo idéia, gerando uma seqüência de confusões que mais serviram para perturbar o pensamento humano que para iluminá-lo."

Baixe o livro: Origem dos Grandes Erros Filosóficos - Mário Ferreira dos Santos

Fonte: 4shared
"Na Filosofia moderna, o termo conceito, por influência de Descartes e de Port Royal, foi substituído pelo termo idéia, gerando uma seqüência de confusões que mais serviram para perturbar o pensamento humano que para iluminá-lo."

Baixe o livro: Origem dos Grandes Erros Filosóficos - Mário Ferreira dos Santos

Fonte: 4shared

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Filosofia da caixa preta

Baixe o Livro: Filosofia da caixa preta - Vilém Flusser

“O caráter mágico das imagens é essencial para a compreensão das suas mensagens. Imagens são códigos que traduzem eventos em situações, processos em cenas. Não que as imagens eternalizem eventos; elas substituem eventos por cenas. E tal poder mágico, inerente à estruturação plana da imagem, domina a dialética interna da imagem, própria a toda mediação, e nela se manifesta de forma incomparável.”


Baixe o Livro: Filosofia da caixa preta - Vilém Flusser

Mais sobre Vilém Flusser

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

As forças de autodestruição do ser humano

"Elas são inegáveis, típicas da criatura e do ser composto, porque os elementos componentes que formam uma nova estrutura são subordinados ao interesse da totalidade, porém cada um deles tem, também, o seu interesse próprio, da sua parte que colide com o interesse coletivo. Por isso nos decompomos e, tudo quanto é físico, decompõe-se e se destrói. Será possível, será suficiente que a nossa coragem possa enfrentar esta autodestruição?"

Mário Ferreira dos Santos

continue lendo: As forças de autodestruição do ser humano

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Filosofia não é o campo dos palpites

"Filosofia não é filodoxia, filosofia não é o campo dos palpites, não é o campo das opiniões, na filosofia não há lugar para opinião. Quando se diz “qual é a sua opinião” não se está mais fazendo filosofia, está se fazendo filodoxia. Filosofia tem que se demonstrar, se não se pode demonstrar então fica em suspenso, continua se investigando até que se chegue a demonstração rigorosa."

Mário Ferreira dos Santos

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Bruno Tolentino

TOLENTINO - A cultura filosófica brasileira é quase nula. Nossos professores gastaram décadas lendo Marx, em vez de Husserl. Aqui só dá o tripé Kant, Hegel e Marx. E onde está a grande tradição escolástica que vai de Aristóteles a Husserl? Isso não é lido nem discutido aqui. Mas existe uma filosofia brasileira. Reale e Olavo de Carvalho, que não se formaram em lugar algum, não perderam tempo com essa estupidez. Foram estudar e aprender as tantas línguas que falam. Eu, quando tenho dificuldade com latim, grego ou alemão, é para eles que telefono.

Continue lendo em O Indivíduo.