quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

A filosofia moderna, dentro de todas as suas diferenças, esteve montada sobre quatro conceitos que a meu modo de ver são quatro falsas substantivações


Prólogo do livro - Naturaleza, Historia, Dios - Zubiri, Xavier

"A filosofia moderna, dentro de todas as suas diferenças, esteve montada sobre quatro conceitos que a meu modo de ver são quatro falsas substantivações: o espaço, o tempo, a consciência, o ser. Pensou-se que as coisas estão no tempo e no espaço, que são todas apreendidas em atos de consciência, e que sua entidade é um momento do ser. Agora bem, a meu modo de ver isto é inadmissível. O espaço, o tempo, a consciência, o ser, não são quatro receptáculos das coisas, mas tão somente caracteres das coisas que são já reais. [...] As coisas reais não estão no espaço nem no tempo como pensava Kant (seguindo a Newton), mas são espaçosas e temporais, algo muito distinto de estar no tempo e no espaço. A intelecção não é um ato de consciência como pensa Husserl. A fenomenologia é a grande substantivação da consciência que corre na filosofia moderna desde Descartes. Entretanto, não há consciência; há tão somente atos conscientes. Esta
substantivação se havia introduzido já em grande parte da psicologia do final do século XIX. [...] A psicanálise conceituou o homem e sua atividade referindo-se sempre à consciência. Assim nos fala “da” consciência, “do” inconsciente, etc. O homem será em última instância uma estratificação de zonas qualificadas com respeito à consciência. Esta substantivação é inadmissível. Não existe “a” atividade da consciência, não existe “a” consciência, nem “o” inconsciente, nem “a” subconsciência; há somente atos conscientes, inconscientes e subconscientes. Mas não são atos da consciência nem do inconsciente nem da subconsciência.
Heidegger deu um passo mais. Ainda que em forma própria (que nunca chegou a conceituar nem a definir), levou a cabo a substantivação do ser. Para ele, as coisas são coisas em e pelo ser; as coisas são por isto entes. Realidade não seria senão um tipo de ser. É a velha idéia do ser real, esse reale. Mas o ser real não existe. Só existe o real sendo, realitas in essendo, diria eu. O ser é tão só um momento da realidade.

Frente a estas quatro gigantescas substantivações, do espaço, do tempo, da consciência e do ser, tentei uma idéia do real anterior àquelas. Foi o tema de meu livro Sobre la esencia (Madrid, 1962): a filosofia não é filosofia nem da objetividade nem do ente, não é fenomenologia nem ontologia, mas é filosofia do real enquanto real, é metafísica. Por sua vez, a intelecção não é consciência, mas é mera atualização do real na inteligência senciente. "


Prólogo do livro - Naturaleza, Historia, Dios.

Zubiri, Xavier (1898-1983)

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