quarta-feira, 16 de abril de 2008

Jorge Luis Borges, o grande personagem borgiano

"Depois da fama, alcançada nos anos 60, o escritor se tornou uma ilusão, um simulador

A França comemorou o centenário de Borges (1899-1999) em grande estilo: números monográficos de revistas e suplementos literários, chuva de artigos, reedições de seus livros e, suprema glória para um escritor, seu ingresso na Pléiade, a biblioteca dos imortais, com dois volumes compactos e um álbum especial com imagens de toda a sua biografia. Na Academia de Belas Artes, transformada em labirinto, uma vasta exposição preparada por Maria Kodama e a Fundação Borges documenta cada passo que ele deu, desde o seu nascimento até sua morte, os livros que leu e escreveu, as viagens que fez e as infinitas condecorações e diplomas que lhe foram concedidos. No dia de abertura da exposição, segundo testemunhas locais, rutilavam luminares intelectuais e políticos e, acreditem ou não, algumas moças lindas vestiam camisetas pólo brancas e pretas estampadas com o nome de Borges.

Nenhum país desenvolveu melhor do que a França a arte de detectar o gênio artístico estrangeiro e apropriar-se dele, entronizando-o e irradiando-o. Vendo a exuberância e a felicidade com que os franceses celebram os cem anos do autor de Ficções, tive, nesses dias, a estranha sensação de que Borges foi patrício não de Sarmiento e Bioy Casares, mas de Saint-John Perse e Válery. Bem, mesmo que não tenha sido, é justo reconhecer que, sem o entusiasmo da França por sua obra, talvez ele não tivesse obtido - não tão depressa - o reconhecimento que, a partir dos anos 60, o converteu em um dos escritores mais traduzidos, admirados e imitados em todas as línguas cultas do planeta.

Tenho a garridice de acreditar que fui testemunha do coup de foudre, o amor à primeira vista dos franceses por Borges, nos anos de 1960 e 1961. Vim a Paris para participar de uma homenagem a Shakespeare, organizada pela Unesco, e a intervenção deste ancião precoce e semi-inválido, a quem Roger Caillois apresentou com efervescência retórica, surpreendeu a todo o mundo. Antes dele haviam falado o engenhoso Lawrence Durrell, comparando o bardo a Hollywood, e depois Giuseppe Ungaretti, que leu, com talento histriônico, suas traduções para o italiano de alguns sonetos de Shakespeare.

Mas a exposição feita por Borges em um francês polido, fantasiando por que alguns criadores se tornam símbolos de uma cultura - Dante, da italiana; Cervantes, da espanhola; Goethe, da alemã - e sobre como Shakespeare se eclipsou para que seus personagens fossem mais nítidos e livres, seduziu por sua originalidade e sutileza. Dias depois, sua conferência no Instituto da América Latina, além de ter lotado o salão, atraiu um grupo de escritores da moda, entre os quais se incluía Roland Barthes.

Aquela foi uma das palestras mais tocantes que já ouvi. O tema era a literatura fantástica. A palestra foi ilustrada com breves resumos de contos e novelas - de diversas línguas e épocas - , os recursos mais freqüentes de que este gênero se vale para "fingir a irrealidade". Imóvel atrás da tribuna, com uma voz intimidada, como se estivesse pedindo desculpas, mas, na verdade, com soberba desenvoltura, o conferencista parecia ter na memória a literatura universal e desenvolvia sua argumentação com elegância e astúcia. "Certamente este escritor vem do país dos gaúchos", exclamou um ouvinte maravilhado, enquanto aplaudia com entusiasmo (Borges havia posto ponto final na sua conferência com uma pergunta de efeito: "E, agora, decidam os senhores se pertencem à literatura realista ou à fantástica").

Sim, ele vinha do país dos gaúchos, mas não tinha nada de exótico nem de primitivo, e sua obra não fazia alarde das cores locais. Já havia escrito várias obras-primas, mas ainda era conhecido só por pequenos grupos de admiradores, inclusive no seu país, e seus contos e ensaios circulavam em edições pouco menos que familiares. A França o tirou da catacumba em que ele enlanguecia.

Sucesso na França - Depois daquela visita, a revista L'Herne dedicou a ele um número memorável e Michael Foucault iniciou o livro de filosofia mais influente da década - Les Mots e les Choses - com um comentário borgeano. O entusiasmo foi ecumênico: de Le Figaro a Le Nouvel Observateur, de Les Temps Modernes, de Sartre, a Les Lettres Françaises, de Aragon. E, como ainda sucede atualmente em assuntos de cultura, quando a França legislava o resto do mundo obedecia. Os latino-americanos, os espanhóis, os norte-americanos, os italianos, os alemães, etc., começaram, na retaguarda dos franceses, a ler Borges. Assim começou a história que culmina, agora, com as trombetas e a pompa do centenário.

O Borges que, durante aquela visita a Paris, resignou-se a conceder uma entrevista (uma entre mil) ao obscuro jornalista da Radiotelevisão Francesa, que era este escriba, ainda não era esse Borges público, essa persona de gestos, palavras e atitudes um tanto estereotipados em que logo se converteria, obrigado pela fama e para se defender de seus estragos.

Era, contudo, um sensível e tímido intelectual portenho, apegado às saias da mãe, que não conseguia entender a crescente curiosidade e admiração que despertava, sinceramente incomodado pela enxurrada de prêmios, elogios, estudos, homenagens que lhe caiam em cima, embaraçado com a proliferação de discípulos e imitadores que encontrava onde quer que fosse. É difícil saber se ele chegou a acostumar-se com esse papel.

Talvez sim, a julgar pelo desfile vertiginoso de fotos da exposição de Beaux Arts, nas quais ele é visto recebendo medalhas e homenagens e subindo a todas as tribunas para fazer palestras e recitais.

Mas as aparências enganam. O Borges das fotografias não era ele, e sim, como o Shakespeare de seu ensaio, uma ilusão, um simulador, alguém que andava pelo mundo representando Borges e dizendo as coisas que se esperava que Borges dissesse sobre os labirintos, os tigres, os "compadritos", as facas, a rosa do futuro de Wells, o marinheiro cego de Stevenson e as Mil e Uma Noites. A primeira vez que falei com ele, naquela entrevista de 1960 ou 1961 (lembro-me de sua resposta a uma de minhas perguntas - "O que é a política para você, Borges?" : "Uma das formas do tédio"), estou seguro de que, pelo menos em algum momento, realmente falei, me conectei com ele.

Nunca mais voltei a ter essa sensação nos anos seguintes. Eu o vi muitas vezes, em Londres, Buenos Aires, Nova York, Lima, e voltei a entrevistá-lo, e até o recebi em minha casa por várias horas na última vez.

Mas em nenhuma dessas ocasiões senti que conversávamos. Ele já tinha apenas ouvintes, não interlocutores, e talvez um só ouvinte - que mudava de rosto, de nome e de lugar - diante do qual ia desfiando um monólogo curioso, interminável, atrás do qual se havia recolhido ou enterrado para fugir dos demais e até da realidade, como um de seus personagens. Ele era o homem mais homenageado do mundo e dava uma tremenda impressão de solidão.

Lucidez - Os franceses o fizeram mais feliz, ou menos infeliz, tornando-o famoso? Não há meios de saber isso. Mas tudo indica que, contrariamente ao que poderiam sugerir as atitudes de sua persona pública, ele carecia de vaidades terrenas. Tinha dúvidas genuínas sobre a perenidade de sua própria obra e era demasiadamente lúcido para sentir-se cumulado de reconhecimentos oficiais. Provavelmente, só teve prazer lendo, pensando e escrevendo; o resto foi secundário, e ele se prestou a isso graças à boa criação recebida, salvando muito bem as aparências, embora sem muita convicção. Por isso, aquela famosa frase que escreveu (ele foi, entre outras coisas, o melhor escritor de frases de seu tempo) -"Li muitas coisas e vivi poucas" - o retrata de corpo inteiro.

É certo que, apesar de ter passado os últimos 20 anos de sua vida em meio a multidões, Borges nunca chegou a ter consciência cabal da enorme influência de sua obra sobre a literatura de seu tempo, e ainda menos da revolução que a sua maneira de escrever significou para a língua castelhana. O estilo de Borges é inteligente e límpido, de uma concisão matemática, de adjetivos audazes e idéias insólitas, no qual, como não sobra nem falta nada, deparamos, a cada passo, com esse mistério inquietante que é a perfeição.

Contrariando algumas de suas afirmações pessimistas sobre a incapacidade do espanhol para a precisão e o matiz, o estilo que ele criou demonstra que a língua espanhola pode ser tão exata e delicada quanto a francesa, tão flexível e inovadora como a inglesa. O estilo borgiano é um dos milagres estéticos do século que termina, um estilo que desinflou a língua espanhola da elefantíase retórica, da ênfase e da reiteração que a asfixiavam; que a depurou até quase a anorexia e a obrigou a ser luminosamente inteligente. (Para encontrar outro prosista tão inteligente como ele é preciso retroceder até Quevedo, escritor que Borges amou e do qual fez uma preciosa antologia comentada.) Pois bem, na prosa de Borges, por excesso de razão e de idéias, de contenção intelectual, há, também, como na de Quevedo, algo de desumano. É uma prosa que lhe serviu maravilhosamente para escrever seus fulgurantes relatos fantásticos, a ourivesaria de seus ensaios que transmutavam em literatura toda a existência, e seus poemas arrazoados. Mas com sua prosa seria tão impossível escrever novelas como com a de T.S. Elliot, outro extraordinário estilista cujo excesso de inteligência também entremeou sua percepção da vida. Porque a novela é o território da experiência humana totalizada, da vida integral, da imperfeição.

Nela se mesclam o intelecto e as paixões, o conhecimento e o instinto, a sensação e a intuição, a matéria desigual e poliédrica que as idéias, por si sós, não bastam para expressar. Por isso, os grandes novelistas nunca são prosadores perfeitos. Esta é, sem dúvida, a razão da antipatia pertinaz que Borges sentia pelo gênero novelesco, que definiu, em outra de suas frases célebres, como "desvario laborioso e empobrecedor".

As brincadeiras e o humor sempre rondaram seus textos e suas declarações e causaram inúmeros mal-entendidos. Quem carece de senso de humor não entende Borges. Ele foi um esteta provocador, na sua juventude. Embora logo depois tenha-se retratado pelo "equívoco radical" (falava em "equivocación ultraísta") dos anos de sua mocidade, nunca deixou de levar consigo, escondido, o insolente vanguardista que se divertia soltando impertinências. Estranha-me que entre os infinitos livros que foram publicados sobre ele não tenha aparecido nenhum que reúna uma boa coleção das impertinências que disse - como chamar Lorca de "um andaluz profissional", falar do "poeirento Machado", alterar o título de uma novela de Mallea (Todo Leitor Perecerá) e homenagear Sábato dizendo que sua obra "pode ser posta em mãos de qualquer um sem nenhum perigo". Durante a Guerra das Malvinas, disse outra frase, mais arriscada e não menos divertida: "Esta é a disputa dos calvos por um pente." São faíscas de humor que mostram gratidão, que revelam que no interior desse ser "corrompido pela literatura" havia picardia, malícia, vida."


Mario Vargas Llosa - Estado de São Paulo - 19.06.1999


Nossa jovem miséria

"A cidade, com suas fumaças e ruídos de ofícios, nos seguia tão longe nos caminhos. Ó outro mundo, morada abençoada por céu e sombras ! O vento Sul me fez lembrar miseráveis incidentes de infância, meus desesperos de verão, a horrível quantidade de força e de ciência que o destino sempre afastou de mim. Não! não passaremos o verão neste país mesquinho onde nada mais seremos que noivos órfãos. Quero que este braço teso não arraste mais uma imagem querida."

Arthur Rimbaud

Baixe o livro: Arthur Rimbaud - Illuminuras

Fonte: 4Shared

domingo, 6 de abril de 2008

Corão como pretexto

O vídeo Fitna the movie de Geert Wilders apresenta uma visão rasa sobre o Islã. O vídeo causou bastante barulho durante a semana e foi bloqueado em vários sites em todo o mundo. Porém, é um vídeo oportunista e que em nenhum momento mostra como a religião é utilizada por grupos específicos para criar a idéia de guerra entre religiões.



"O radicalismo islâmico, obra de intelectuais muçulmanos de formação européia, e que remonta à década de 30, está para o Islã tradicional como a “teologia da libertação” está para o cristianismo. Ele esvazia a tradição islâmica de seu conteúdo espiritual e o transmuta na fórmula ideológica da revolução mundial. (O presidente Bush, que nossos intelectuais semi-analfabetos fingem desprezar como um caipirão, compreendeu perfeitamente esse ponto e por isso recusou com veemência a proposta indecente de dar à guerra contra o terrorismo a conotação de uma cruzada antiislâmica.)"

Olavo de Carvalho O Globo, 22 de março de 2003 - Guerra e império

quinta-feira, 3 de abril de 2008

PRIMEIRO ENSAIO CRÍTICA HISTÓRICA: TEORIA DOS MODOS

"MODOS DA FICÇÃO: PREÂMBULO

No capítulo segundo da Poética, Aristóteles fala das diferenças nas obras de ficção, causadas pelas diferentes posições das personagens. Nalgumas ficções, diz ele, as personagens são melhores do que nós, em outras piores, em outras ainda ficam no mesmo plano. Esta passagem não tem recebido muita atenção por parte dos críticos modernos, pois a importância que Aristóteles atribui à bondade e à maldade parece indicar uma visão, até certo ponto, estreitamente moralística da literatura. As palavras de Aristóteles para bom e mau, contudo, são spoudaios e phaülos, que têm um sentido figurado de "importante" e "sem importância". Nas ficções literárias o enredo consiste em alguém fazer alguma coisa. O alguém, se indivíduo, é o herói, e a alguma coisa que ele faz ou deixa de fazer é o que ele pode fazer ou podia ter feito, no plano dos pressupostos estabelecidos, para ele, pelo autor, e das conseqüentes expectativas da audiência. As ficções, portanto, podem ser classificadas, não moralmente, mas pela força de ação do herói, que pode ser maior do que a nossa, menor ou mais ou menos a mesma. Assim:

1. Se superior em condição tanto aos outros homens como ao meio desses outros homens, o herói é um ser divino, e a estória sobre ele será um mito, no sentido comum de uma estória sobre um deus. Tais estórias ocupam um lugar importante em literatura, mas como regra situam-se fora das categorias literárias normais.

2. Se superior em grau aos outros homens e seu meio, o herói é o típico herói da estória romanesca, cujas ações são maravilhosas, mas que em si mesmo é identificado como um ser humano. O herói da estória romanesca move-se num mundo em que as leis comuns da natureza se suspendem ligeiramente: prodígios de coragem e persistência, inaturais para nós, são naturais para ele, e armas encantadas, animais que falam, gigantes e feiticeiras pavorosos, bem como talismãs de miraculoso poder, não violam regra alguma de probabilidade, uma vez que os pressupostos da estória romanesca foram fixados. Aqui passamos do mito propriamente dito para a lenda, o conto popular, o mãrchen e suas filiações e derivados literários.

3. Se superior em grau aos outros homens, mas não a seu meio natural, o herói é um líder. Tem autoridade, paixões e poderes de expressão muito maiores do que os nossos, mas o que ele faz sujeita-se tanto à crítica social como à ordem da natureza. Esse é o herói do modo imitativo elevado, da maior parte da epopéia e da tragédia, e é fundamentalmente a espécie de herói que Aristóteles tinha em mente.

4. Não sendo superior aos outros homens e seu meio, o herói é um de nós: reagimos a um senso de sua humanidade comum, e pedimos ao poeta os mesmos cânones de probabilidade que notamos em nossa experiência comum. Isso nos dá o herói do modo imitativo baixo, da maior parte da comédia e da ficção realística. "Elevado" e "baixo" não têm conotações de valor comparativo, mas são puramente diagramáticos, como "high" e "low" o são, quando se referem aos críticos bíblicos ou aos anglicanos. Neste plano, a dificuldade de manter a palavra "herói", que tem um sentido mais limitado nos modos precedentes, ocasionalmente impressiona algum autor. Assim Thackeray sente-se obrigado a chamar Vanity Fair um romance sem herói.

5. Se inferior em poder ou inteligência a nós mesmos, de modo que temos a sensação de olhar de cima uma cena de escravidão, malogro ou absurdez, o herói pertence ao modo irônico. Isso é verdade mesmo quando o leitor sente que está ou podia estar na mesma situação, pois a situação está sendo julgada com maior independência.

Examinando esse rol, podemos ver que a ficção européia, durante os últimos quinze séculos, desceu constantemente seu centro de gravidade, lista abaixo. No período da literatura pré-medieval, prende-se ela estreitamente aos mitos cristãos, clássicos tardios, célticos ou teutônicos. Se o cristianismo não tivesse sido tanto um mito importado como um devorador de rivais, essa fase da literatura ocidental seria mais fácil de isolar. Na forma em que a possuímos, sua maior parte já passou para a categoria da estória romanesca. A estória romanesca divide-se em duas formas principais: uma forma secular, que trata da cavalaria e do paladinismo, e uma forma religiosa, devotada às lendas de santos. Ambas apóiam-se pesadamente em miraculosas violações da lei natural, para beneficiar-se como estórias. As ficções romanescas dominam a literatura até o culto do príncipe e do cortesão, no Renascimento, trazer ao primeiro plano o modo imitativo elevado. As características desse modo são clarissimamente vistas nas espécies do drama, particularmente na tragédia, e na epopéia nacional. Depois, um novo tipo de cultura da classe média introduz o imitativo baixo, que, na literatura inglesa, predomina do tempo de Defoe até o fim do século XIX. Na literatura francesa, começa e termina cerca de cinqüenta anos antes. Durante os últimos cem anos, a ficção mais séria tendeu crescentemente a ser do modo irônico.

Algo da mesma progressão pode ser também acompanhado na literatura clássica, de forma grandemente reduzida. Onde uma religião é mitológica e politeísta, onde há corporificações promíscuas, heróis deificados e reis de descendência divina, onde o mesmo adjetivo "divino" pode ser aplicado a Zeus ou a Aquiles, dificilmente se poderá separar completamente as faixas mítica, romanesca e imitativa elevada. Onde a religião é teológica e acentua uma divisão pronunciada entre as naturezas divina e humana, o romanesco se isola mais claramente, como se vê nas lendas da cavalaria e da santidade cristãs, nas Mil e Uma Noites muçulmanas, nas estórias dos juízes e dos profetas taumaturgos de Israel. Semelhantemente, a incapacidade do mundo clássico, de livrar-se do líder divino, em seu período tardio, tem muito em comum com o desenvolvimento imaturo dos modos imitativo baixo e irônico, que mal se iniciaram com a sátira romana. Ao mesmo tempo, a instituição do modo imitativo elevado, o desenvolvimento de uma tradição literária com o sentido coerente, dentro dela, de uma ordem da natureza, é uma das grandes façanhas da civilização grega. A ficção oriental, tanto que eu saiba, não se afasta muito das fórmulas mítica e romanesca.

Cuidaremos aqui principalmente das cinco épocas da literatura ocidental, como atrás demarcadas, usando paralelos clássicos apenas incidentalmente. Em cada modo será útil uma distinção entre a literatura ingênua e a exigente. A palavra "ingênuo", tomo-a do ensaio de Schiller sobre a poesia ingênua e sentimental: quero dizer com ela, contudo, primitivo ou popular, enquanto em Schiller soa um tanto mais como clássico. A palavra "sentimental" também significa algo mais em inglês, mas não temos bastantes termos críticos genuínos para prescindir dela. Com aspas, portanto, "sentimental" se refere a uma recriação posterior de um modo mais antigo. Assim o Romantismo é uma forma "sentimental" do romanesco, e o conto de fadas, na maior parte, uma forma "sentimental" do conto popular. Há também uma distinção geral entre ficções nas quais o herói se isola de sua sociedade, e ficções nas quais ele se incorpora nela. Esta distinção é exprimida pelas palavras "trágico" e "cômico", quando se referem a aspectos do enredo em geral e não simplesmente a formas de drama."

FRYE, Northrop. Anatomia da Crítica.